Pedro Barata
Ainda o Europeu 2024 se estava a disputar e já a bola rolava nas competições de clubes da UEFA, com as pré-eliminatórias dos diferentes torneios continentais. Ainda o triunfo espanhol estava fresco na memória e já se disputavam as mais diferentes Supertaças. O mundo parava para olhar para Paris, vendo os Jogos Olímpicos, e já começavam os campeonatos.
Bernardo Silva foi uma das vozes que, recentemente, criticou o calendário |
E eis que chega setembro. O mercado de transferências fecha, o mundo assombra-se e
emociona-se com os Jogos Paralímpicos, parece que o futebol de clubes pode
começar a ganhar embalo. Mas não.
Disputam-se três ou quatro
jornadas e paragem. Um mês depois do início, trava-se. Tudo de volta
para as seleções e até daqui a uns dias. Realizam-se uns encontros — de Liga
das Nações na Europa, de qualificação para o Mundial na Ásia e América do Sul,
de apuramento para a CAN em África — e regressa-se aos clubes. Bem, regressa-se
por um bocadinho.
Haverá, agora, mais um mês de
competição. E nova paragem. Segue-se outro mês de competição. E nova paragem.
No atual desenho do calendário internacional, passa-se um trimestre em
pára-arranca, com o futebol de clubes a não ter uma verdadeira continuidade e o
de seleções também não, como se fossem duas refeições permanentemente
interrompidas.
A quem é que isto convém? Aos
clubes não é, certamente, porque, nesta fase de reformulação de plantéis, andam
de miniciclo em miniciclo; às seleções também não, porque se assumem como um part
time, quase um incómodo interregno, simultaneamente demasiado pequeno e
demasiado constante. Nem vale a pena mencionar que também não agrada aos
jogadores, exaustos de tanto jogo e viagem.
Sem pensar em revoluções mais profundas, mantendo este status quo, não seria melhor um modelo em que as paragens, neste arranque de época, se concentrassem em dois períodos? Abolia-se esta janela de seleções de setembro, esta aberração no calendário, e concentrava-se o futebol aqui jogado nas pausas de outubro e novembro, alargando-as um pouco. Os clubes sorririam, por não cederem os futebolistas nesta fase de construção das equipas, as seleções agradeceriam, por terem dois períodos um pouco mais longos, em vez de duas fases em contrarrelógio.
Mas constatar os prejuízos desta paragem é só notar uma
pequena parte do problema, uma gota de água no oceano de incómodo causado
pela atual arquitetura do calendário internacional.
“Absurda”. Foi esta a palavra utilizada por Bernardo
Silva para descrever a “carga” em cima dos jogadores de topo. O médio sabe
bem do que fala.
Bernardo começou a época 2022/23 a 30 de julho. Essa
época, Mundial incluído, durou 11 meses, terminando a 20 de junho. Menos de um
mês depois, o canhoto estava de volta para a pré-época com o Manchester City,
arrancando 2023/24 a 6 de agosto. Essa campanha voltou a durar 11 meses, até 5
de julho.
Um mês depois da temporada passada terminar, Bernardo
começou a atual. A 10 de agosto, o português iniciou 2024/25, levando, já, seis
encontros nas pernas. Uma vez mais, a época pode durar-lhe 11 meses, já que
o Mundial de clubes só termina a 13 de julho. Antes disso, há uma Premier
League a acabar a 25 de maio, uma Liga dos Campeões (em formato alargado) com final a 31 de
maio ou uma Liga das Nações (em formato alargado) a concluir-se a 8 de junho.
Uma semana depois disso, a 15 de junho, já há desafios do Mundial de clubes (em formato alargadíssimo).
É óbvio que a lógica, aqui, é
expandir. Aumentar, aumentar, aumentar. Mais encontros na fase de liga da
Champions, juntar uns quartos de final à Liga das Nações, criar um Mundial de
Clubes nos EUA que dura um mês.
Todos têm a sua dose de culpa: os clubes aceitam
os milhões acenados por FIFA e UEFA, não abdicando, ao mesmo
tempo, de ir até ao outro lado do mundo realizar jogos de pré-época,
juntando desgaste aos futebolistas; as seleções não mostram muito ânimo de
dosear minutos; as entidades organizadoras, bem, essas querem engordar cada vez
mais a galinha para de lá extraírem o ouro; e os jogadores, apesar de algumas —
relativamente tímidas e não coordenadas — manifestações de desacordo, nunca tomaram uma verdadeira
posição de força, não se mostrando verdadeiramente disponíveis a abdicar de
algo (leia-se dinheiro) por um calendário mais folgado.
Sem surpresa, cada capelinha só olha para o seu interesse
pessoal.
E assim continuamos.
Continuamos com esta absurda paragem de seleções, integrada neste absurdo
calendário. Na natureza, nada se perde, tudo se transforma. No futebol, nada
se mantém, tudo aumenta de formato. Mais é melhor? Até quando? Talvez, um dia,
a galinha vá explodir de tanto ser engordada à procura de mais ouro.
Título e Texto: Pedro
Barata, Tribuna Expresso, 9-9-2024
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