Henrique Pereira dos Santos
Um relatório diz:
"Daqui pode inferir-se que as prestações suplementares de capital efetuadas pela Atlantic Gateway à TAP, SGPS resultaram de fundos da AIRBUS que a própria TAP, SGPS, através dos contratos celebrados posteriormente com aquela empresa, se comprometeu a pagar, não decorrendo, por isso, diretamente da acionista Atlantic Gateway, mas sim de um terceiro com interesses diretos nos negócios da empresa e através de fundos que posteriormente viria a recuperar mediante pagamentos a que a TAP, SA se vinculou contratualmente (efetuados por via da aquisição das aeronaves ou decorrentes de penalizações por eventuais incumprimentos).
Esta
operação complexa afigura-se suscetível de contornar a proibição imposta pelo
n.º 1 do artigo 322.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), o qual impede
que uma sociedade conceda empréstimos ou forneça fundos a um terceiro para que
este adquira ações do seu próprio capital, cuja penalidade consiste na nulidade
dos contratos ou atos unilaterais que lhe estão subjacentes (vd. n.º 3 do
artigo 322.º do CSC).
Cremos,
pois, que os negócios em causa, aquisição dos 61% do capital da TAP, SGPS e a
sua capitalização pela Atlantic Gateway, preenchem, ainda que de forma
indireta, os requisitos exigidos neste normativo do CSC."
Mais à frente, o próprio
relatório, refere o contraditório (que a mim, que não sou jurista, me parece
evidente e que os auditores contornam com a interpretação criativa da lei que
citei) a esta conclusão: "a Parpública destaca
que importa distinguir juridicamente a aquisição de acões e a realização de
prestações suplementares, uma vez que obedecem a regras e procedimentos
distintos, realçando ainda que não é parte no Framework Agreement."
Resumindo, o famoso relatório da IGF diz claramente que a capitalização da TAP é feita com fundos da Airbus, e não com os recursos da TAP, mas que sendo essa capitalização condição sine qua non para a decisão de vender a companhia a Neeleman, e tendo Neeleman negociado esses fundos com a Airbus relacionando-os com compras de aviões que a TAP tinha contratado antes (estando em risco de não cumprir os contratos de compra, se falisse, deixando a Airbus pendurada em relação às encomendas), e que Neeleman renegoceia para alterar o modelo de negócio da TAP, em pré-falência, então deve aplicar-se uma norma legal que diz respeito ao financiamento de ações, pelo que talvez esta operação complexa tenha contornado a lei ("é susceptível de", diz a IGF), mesmo sendo claro que o financiamento da Airbus não diga respeito à aquisição de ações da TAP.
O que faz a imprensa a
partir daqui?
Primeiro, na generalidade,
repete acriticamente uma mentira, a de que a TAP foi comprada com os recursos
da TAP (ver, por exemplo, o inacreditável começo do artigo do Público de hoje
sobre o assunto: "A privatização da TAP foi paga com o dinheiro da própria
companhia aérea", uma mentira absoluta sem qualquer suporte no relatório
da IGF).
A partir desta mentira, e para
a tornar mais suculenta, é preciso ir mais longe e deixar claro que há
ilegalidade "um esquema "complexo" que "contornou" a
lei", diz o mesmo artigo, esquecendo o "é susceptível de".
Não se sabe se as aspas estão
em "contornou" para vincar que é a IGF que o diz (o que não é, de
todo, verdade, o que a IGF diz é que talvez tenha contornado se se admitir que
o facto da capitalização ser uma condição sine qua non da
privatização, implicar poder aplicar-se a esta operação a norma legal que se
aplica à aquisição de ações e não às prestações suplementares em que se baseia
a capitalização da empresa), ou para amenizar a transformação do "é
susceptível de", a hipótese da IGF que vai ser preciso que o Ministério
Público avalie, no "contornou" que o jornal conclui sem margem para
dúvidas, o certo é que do texto e título da peça, para a manchete da primeira
página, o Público faz desaparecer as aspas e transforma uma conclusão
hipotética, a validar posteriormente, na conclusão inequívoca de que a IGF diz
que a privatização contornou a lei.
Assente a ilegalidade
criada pela imprensa, e sendo os alvos deste esquema de desinformação Maria
Luís Albuquerque e o atual governo, é preciso implicar Miguel Pinto Luz, que
não tem nada com isto, exceto a circunstância de ser o efémero secretário
de estado que está em funções no momento em que os reguladores dão luz verde à
operação decidida em junho, quando Miguel Pinto Luz não estava nas funções que
vai ter durante umas semanas de outubro/ novembro.
E pronto, omitindo esta
circunstância de Miguel Pinto Luz ter apenas o papel de assinar o contrato
negociado em junho, a que os reguladores dão luz verde em novembro, está feito
o canalha.
Pelas suas ações?
De maneira nenhuma, o canalha é feito pela calúnia dos seus adversários
políticos, a que a imprensa dá livre curso, vergonhosamente.
Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 4-9-2024; Marcações: JP
ResponderExcluirA 25ª hora