sexta-feira, 1 de abril de 2011

"O Governo estava ansioso por ser derrubado, para se libertar do aperto crescente da falência"

Portugal tem uma crise financeira urgente, uma crise económica estrutural e uma crise social latente. Mas o que ocupa todos é a lúdica crise política. Nessa, o mais espantoso é dizer-se que a demissão do Governo marca o início do combate, quando realmente assinala um compromisso e acordo de cavalheiros.
Nos últimos meses viveu-se uma magna encenação, em que cada discurso dizia precisamente o inverso do desejo íntimo do orador. O Governo estava ansioso por ser derrubado, para se libertar do aperto crescente da falência; mas não mostrava tal desejo, querendo poder acusar a oposição disso. A Oposição queria que o Governo se mantivesse em funções, acumulando o odioso da austeridade, mas sem pretender as culpas da sua manutenção.
Esta comédia de enganos tinha uma data limite: o pedido de ajuda externa. O jogo acabaria quando fosse imperioso chamar o FMI, a fatídica ameaça que José Sócrates repetidamente demonizava, assegurando que a exorcizara. O jogo de nervos subia de tom, cada lado atirando a culpa para o outro.
No dia 23, o acordo. O Governo subiu a parada de austeridade para lá do admissível e a Oposição aceitou a responsabilidade pelo derrube político. Assim os dois lados dividiram as culpas e, melhor de tudo, abriram um período intermédio, uma terra de ninguém, onde se chamará o FMI e as medidas duras, sem que ninguém possa ser acusado. O actual Governo, que pede a ajuda, dirá que o fez forçado pela irresponsabilidade de quem o derrubou. O próximo aceitará o facto consumado de que se dirá inocente.
João César das Neves, Destak, 30-03-2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-