Alberto Gonçalves
À semelhança do que acontece
no futebol, em que todos roubam o que podem e só os adversários o fazem com
acinte, a moralidade, no país dos partidos e dos fanáticos dos partidos, é
questão de perspectiva. Mesmo que se desconfie, ou até se prove, que Fulano
desvia fundos comunitários, aceita subornos e nas horas vagas atropela
velhinhas por gozo, os seus fiéis estarão sempre prontos a ignorar os deslizes
do chefe na medida em que Sicrano, o chefe dos rivais, também escapou a umas
multas por estacionamento em 1982 (ou ao atropelamento de velhinhas em 2005).
Vem isto a propósito do
"caso" Tecnoforma. A título de esclarecimento, noto que votei nos
senhores que nos governam, por exclusão de partes e talvez por incúria. Informo
ainda que acho o Governo em funções uma coisa deprimente, se bem que menos
nocivo do que os antecessores e os candidatos a sucessores. Se, contas feitas,
PSD e CDS não mudaram quase nada do que se impunha e preservaram quase tudo o
que se evitava, acredito que Portugal estaria bastante pior se o Eng. Sócrates
tivesse continuado a sua senda de "momentos históricos" e voltará a
piorar imenso se o Dr. Costa (em princípio) pegar um dia nisto.
As referências ao PS, porém,
terminam aqui. Não pretendo evocar o Freeport, a Universidade Independente, os
projectos na Guarda, as escutas do Face Oculta, os apartamentos de Lisboa e
Paris e, lá está, as violações do regime de exclusividade parlamentar a fim de
relativizar o que apenas os ceguinhos, ou os portugueses, se me permitem a
redundância, relativizariam. As alhadas de Pedro Passos Coelho não se desculpam
através da culpa alheia.
E a alhada em questão,
revelada pela revista Sábado e entretanto assaz popular, resume-se aos 150 mil
euros que o Dr. Passos Coelho terá recebido indevidamente entre 1995 e 1999
(por causa da exclusividade do deputado que então ele era) e omitido ao exacto
fisco que agora nos consome com sofreguidão. Embora a certeza do crime esteja
por apurar, não confortam as garantias de honestidade fornecidas pelo próprio,
além dos pedidos ao Parlamento e à Procuradoria-Geral da República para que o ajudem
a recordar se recebeu ou não uma quantia que, com sorte, o cidadão médio demora
dez anos a ganhar. Por incrível que pareça, residir em Massamá e voar em
turística não asseguram a honra de um homem.
Se a história se provasse, não
importaria a palavra dada à AR, a baixeza da denúncia anónima, a estabilidade,
o futuro, o passado de trapalhadas que outros cometeram: o Dr. Passos Coelho
deveria demitir-se. Mas não se demitirá, visto que os obstáculos do costume
impedem que se saiba a verdade e a verdade não preocupa o eleitorado, que já
condenou ou absolveu o primeiro-ministro de acordo com antipatias ou simpatias
prévias. Quem hoje exige a queda do Dr. Passos Coelho defendia ontem o radioso
currículo do Eng. Sócrates contra a "cabala". E quem ontem atacava o
descaramento do Eng. Sócrates apoia hoje a firmeza do Dr. Passos Coelho. A
política é suja porque o País não é muito limpo.
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