Helena Matos
Vivemos numa sociedade em que
só o que é judicialmente investigado tem relevância moral, em que se exige condenações
a torto e a direito para compensar o vazio deixado pelo relativismo dos valores
“Uma professora do ensino básico foi agredida esta quarta-feira dentro
da sala de aulas da Escola Básica n.º 2 em Rossio ao Sul do Tejo, pelos pais de
um aluno, tendo sido transportada ao Hospital de Abrantes. Fonte do
estabelecimento de ensino disse à agência Lusa que a professora em questão
chamou os pais devido a situações de alegados maus comportamento do aluno. A
mesma fonte disse que a professora ficou ferida nas mãos e num braço, a par de
uma crise de ansiedade emocional.
“Os pais do aluno em questão entraram na sala de aulas, no início da
primeira aula da manhã, culparam a professora pelo alegado mau desempenho
comportamental do filho e agrediram-na nas mãos e num braço”, acrescentou. A
maioria dos alunos, de uma turma do 4.º ano da escola básica do Rossio, que
assistiram às agressões, “foram para casa por questões emocionais”, disse. Os
restantes alunos “foram divididos” pelas outras turmas do estabelecimento de
ensino.
Fonte do Centro Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Santarém
confirmou a ocorrência à Lusa. O alerta foi dado às 9h21. Ao local ocorreram os
bombeiros de Abrantes, com um veículo de socorro e a PSP. Jorge Soares,
porta-voz da PSP de Santarém, disse à Lusa que “a agressora foi identificada e
o caso, por configurar um caso de crime público, vai ser remetido para o
Ministério Público”.
Jornal de Notícias, 24 de Setembro de 2014.
Alguém encontrou uma
declaração do Ministério da Educação sobre este caso? E dos sindicatos? Não sei
se existiu alguma tomada de posição por parte dessas entidades, mas a ter
existido foi totalmente ofuscada pela agenda do camarada Mário Nogueira:
colocações, listas e outros assuntos administrativos a que há anos se
convencionou em Portugal chamar ensino. Na prática quando em Portugal se fala
de ensino fala-se daquilo que Mário Nogueira quer. E a Mário Nogueira o
Ministério da Educação só interessa enquanto maior empregador de Portugal, logo
o melhor caldo de cultura para a sua actividade de funcionário público
profissionalizado na contestação em serviço próprio e do partido a que é
afecto.
Há anos que isto é assim e só
o estado de profunda anomia em que nos encontramos leva a que não percebamos
que nesta notícia cada parágrafo é um problema, esse sim do ensino e da escola,
e sobre os quais ninguém se pronuncia porque andamos todos a discutir o
problema de umas listas de colocação cujas fórmulas são o que de mais
aproximado com o centralismo soviético se fez em Portugal.
Comecemos pelo princípio: a
professora foi agredida dentro da sala. O que nos leva a perguntar – os pais
entram assim pelas salas dentro do 4º ano já com as aulas a decorrer? A
professora chamou-os para irem lá àquela hora, já durante a aula, o que a
obrigaria a falar do assunto diante da turma toda? Nenhum funcionário achou
estranha aquela ida dos pais a uma sala onde estava a ser dada uma aula? Quem
na qualidade de aluno, professor ou pai tem entrado em escolas, sejam elas
públicas ou privadas, percebe que há coisas que não batem certo nesta situação.
Mas as dúvidas e as
estranhezas não se esgotam aqui. Passemos para o que aconteceu dentro da sala
de aula. Aí a linguagem da notícia é ela mesma um símbolo destes bizarros
tempos: “a professora ficou ferida nas mãos e num braço, a par de uma crise de
ansiedade emocional.” “Os pais do aluno em questão entraram na sala de aulas,
no início da primeira aula da manhã, culparam a professora pelo alegado mau
desempenho comportamental do filho e agrediram-na nas mãos e num braço”.
Ora vejamos: a criancinha
porta-se mal. Alegadamente, claro, que nós somos uma sociedade que anda sempre
de alegado na boca, não vamos cair em pecado de chamar alguma coisa pelo seu
devido nome: as crianças não se portam mal. Têm alegados comportamentos.
Curiosamente estes pais não duvidavam do mau comportamento do seu rebento.
Acusaram sim, foi a professora de ser responsável pelo mesmo. E agrediram-na.
Esta ficou ferida e, pressurosamente, a notícia acrescenta que ficou também com
uma “crise de ansiedade emocional.” Vai-se a ver e isto ainda se resolve
mandando a senhora para o psicólogo. Psicólogo esse onde também devem acabar os
alunos que assistiram às agressões à professora e que “foram para casa por
questões emocionais”.
Uma professora é agredida
diante dos alunos e quer ela quer as crianças têm “questões emocionais”! Vendo
bem é tudo uma questão de emoções mal geridas: os pais agressores, coitadinhos,
têm emoções a mais. A professora agredida teve uma crise emocional e as
crianças que assistiram àquilo tudo também se emocionaram muito. Os respectivos
pais ainda se devem ter emocionado mais quando perceberam que os seus filhos
não tinham aulas e eles tinham de resolver o assunto, independentemente de
estarem a trabalhar ou de terem compromissos… Enfim é tudo uma questão de gerir
as emoções. Infelizmente só não sabemos se a criança que está na origem disto
tudo foi para casa com “questões emocionais” ou ficou na escola á espera que os
paizinhos voltassem de novo. Qual indisciplina, qual falta de respeito, qual
abuso… são emoções, senhores.
Depois vem o habitual nestas
coisas: bombeiros e a PSP acorreram ao local, “a agressora foi identificada e o
caso, por configurar um caso de crime público, vai ser remetido para o
Ministério Público”. E o habitual nestas coisas é um dos maiores paradoxos do
nosso tempo: a Justiça, que não investiga o que é da sua exclusiva competência,
ora porque prescreveu, ora porque as provas são dadas como nulas e mandadas
retirar dos autos cada vez mais, tem vindo a ocupar os outros espaços de poder.
Incidentes que durante anos
foram resolvidos pelos directores das escolas acabam agora nos tribunais. Que é
o mesmo que dizer que, se o CITIUS deixar, daqui a largos meses ou anos o caso
terá algum desfecho. Isto se entretanto não for arquivado. Não estou a dizer
que se tal acontecer a justiça procedeu mal. Estou sim a frisar que não podemos
ser uma sociedade em que o bem e o mal são definidos pelos tribunais. Em que
não nos restam outras figuras de autoridade senão os juízes, os guardas
prisionais e o fisco. Logo uma sociedade em que aquilo que não é judicialmente
investigado não tem relevância moral ou social e em que se exige que os
tribunais condenem a torto e a direito para assim se compensar o vazio deixado
pelo relativismo dos valores e ausência de poderes intermédios.
E por fim mas não por último
não podemos continuar a chamar sindicatos de professores ao conglomerado do
senhor Nogueira, e Ministério da Educação a uma estrutura que vive de e para a
burocracia dos seus funcionários.
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