Maria João Marques
Enxotemos as senhoras de meia idade
solteiras e sem filhos, que são as ideólogas do PS para as questões de família,
e os jovens populares, que também ainda não procriaram, dos programas das
crianças.
No ano letivo passado, a
criança mais velha, então no quarto ano, teve pela primeira vez História de
Portugal. Eu fiquei muito feliz (História sempre foi das minhas disciplinas
preferidas e finalmente lá teria alguém em casa mais desperto para as secas que
de vez em quando dou sobre este ou aquele pormenor do passado). O petiz saiu da
aprendizagem interessado por História (o que diz muito bem da professora), mas
de lá do meio do programa algo fez o rapaz ficar baralhado com as misérias do
Portugal monárquico e as maravilhas do Portugal republicano.
Por razões misteriosas, ficou
convencido que monarquia era sinónimo de ditadura e pobreza. E que a república,
em Portugal, havia trazido o melhor dos mundos. Lá tive eu – que sou
republicana, mesmo que não diabolize a monarquia (ok, assumo, é impossível
resistir a gozar com certos membros de certas famílias reais) – que repor,
naquela impressionável e adorável cabeça, a verdade.
Que a pobreza dos tempos
monárquicos se devia mais às características secularmente estruturais de
Portugal (e que muitas delas persistem hoje, iguais ou ligeiramente
travestidas) que ao singelo facto de termos monarcas. Que a Primeira República
foi uma rebaldaria indecorosa, com atropelos graves aos direitos e liberdades
dos portugueses e de um anticlericalismo radical e dispensável. Que chegou à
infâmia de proibir explicitamente o voto feminino, anteriormente possível em
circunstâncias estreitas. Que nada faz equivaler ditaduras a monarquias. Que o
ditatorial Estado Novo (de resto convidado pela rebaldaria) era um regime
republicano. Que vários países europeus ricos e democráticos são monarquias e
que a coisa socialista proto-totalitária venezuelana é uma república, bem como
todos os totalitarismos comunistas (sendo que estes costumam descambar em
monarquias das más, de facto). Etc., etc., etc..
Também lhe disse, claro, que a
vantagem da república, se democrática, é manifestarmos a nossa preferência
através do voto sobre quem deve ser o chefe de estado, sem estarmos dependentes
dos membros de uma família real que, em alguns casos, são indefensáveis. E lá
lhe falei dessa inescapável lei da vida: os melhores monarcas são sempre os que
foram educados sem a perspetiva de serem monarcas (ou sem serem estragados pela
inevitável adulação e mimo que geralmente vêm quando estes caminhos são
esperados). Testei-lhe mesmo a paciência com a famosa teoria dos ciclos
dinásticos chineses: os primeiros imperadores de uma dinastia eram gente
impecável; os últimos uns debochados, reinando sobre uma corte corrupta e
viciada, a serem corridos (conselhos de Mêncio) pela populaça devidamente
avisada desta necessidade pelos recorrentes terramotos e cheias com que a
divindade sinalizava o vício e a incompetência do monarca.
Mas algum conjunto de almas
prestimosas no ministério da educação decidiu catequizar as crianças no
republicanismo (acrítico) e no anti-monarquismo. Tenho de estar alerta, não vão
os entusiasmos com o centenário da revolução russa colocar nos programas dos
adolescentes aqui e ali elogios à paz e à prosperidade que o bloco soviético
trouxe ao mundo. Daqueles que se liam nos romancistas (e nos cronistas) do lado
do Bem (atentar à maiúscula) dos anos oitenta, antes de ficarem escancarados ao
mundo o luxo em que vivia a nomemklatura soviética, em contraste com o resto da
população austera à força. Ou o bom tratamento às crianças deficientes da
Roménia de Ceausescu. Ou as aldrabices que muitas pessoas escreviam.
O pior é que as almas
prestimosas do ministério da educação não se contentam com os méritos e
deméritos de monarquias e repúblicas. Por estes dias querem intrometer-se até
na forma como os adolescentes exprimem as suas inclinações românticas e sexuais
uns pelos outros. Já aqui abordei a absurda proposta de apresentar o aborto às
crianças do quinto ano – pelo meu filho, declino já tão amável intento – mas há
mais, claro. Os ministérios da saúde e da educação pretendem que se fale dos
vários tipos de famílias, não vão os petizes crescer com a ideia de normalidade
associada a um pai e a uma mãe.
Atenção que sou favorável ao
casamento de casais do mesmo sexo e que vejo como claramente preferível a
adoção por estes casais à manutenção da institucionalização das crianças. Mas
irrita-me em abundância que o ministério da educação se substitua aos pais
neste ensino de intimidades – como são as relações familiares e afetivas.
Piora. Estes extremistas
progressistas têm companhia: a Juventude Popular lembrou-se de propor a
promoção da abstinência nas aulas de Educação Sexual. O que nos faz esconder a
cara nas mãos por várias razões.
A. Nem o partido mais à
direita consegue sair do espartilho em que a esquerda coloca as discussões
políticas. Em vez de vociferar que quem ensina os adolescentes sobre as
geometrias das relações sexuais e a idade e circunstâncias em que estas devem
começar são os pais, eis que entendem também que o estado deve intrometer-se,
mas em sentido contrário, impondo uma visão conservadora radical da
sexualidade. B. Como Alexandre Homem Cristo aqui escreveu, o ensino da
abstinência como método contracetivo e para evitar doenças sexualmente transmissíveis
é muito falível. Os adolescentes não vão acatar as recomendações e não ficam
apetrechados para evitar perigos. C. É uma proposta requentada das políticas
americanas tão amadas pelos republicanos evangélicos, que geram consequências
sórdidas como aqueles juramentos de virgindade até ao casamento feitos pelas
filhas aos pais (!).
A educação sexual é
fundamental. Deve ensinar as questões biológicas e centrar-se em evitar
gravidezes indesejadas e DST. E no resto enxotemos as senhoras de meia idade
solteiras e sem filhos (surripio a descrição ao autor e blogger Vítor Cunha),
que são as ideólogas do PS para as questões de família, e os jovens populares,
que também ainda não procriaram, dos programas das crianças.
Título e Texto: Maria João Marques, Observador,
11-1-2017
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