O poder e a importância dos Estados Unidos
exigem que se tente entender a estratégia de Trump, sobretudo se se discorda
dela. Façam um esforço para analisar e compreender. Terão humildade suficiente?
Ninguém gosta de Trump, mas
todos o copiam. Desde que o promotor imobiliário chegou à Casa Branca, todos os
líderes políticos europeus aderiram aos tweets como instrumento da política. E,
quase todos, olham para o modo como cumprimentam Trump como um teste à sua
virilidade masculina. Entretanto, a quase totalidade dos cronistas e
especialistas não analisam a diplomacia de Trump, exprimem emoções patéticas e
absolutamente inúteis, e competem pelo prémio da indignação. Entretanto, Trump
está a transformar a política mundial e a relação com os europeus.
Proponho o seguinte. Vamos
esquecer a figura e os comportamentos de Trump e tentar analisar a política
externa dos Estados Unidos. Para o Presidente norte-americano a prioridade é
travar a expansão da China, a grande beneficiada das duas últimas décadas da
globalização. Trump quer inverter essa tendência. Acredita que o confronto
comercial é o melhor modo de o fazer. Apesar de reconhecer que haverá custos a
curto prazo para a economia americana, considera que os custos serão maiores
para a China. Discordo da estratégia de Trump e julgo que o protecionismo
comercial é demasiado arriscado. Também acho que a recusa de Trump em assinar o
Tratado Trans-Pacífico, que visava isolar a China na região do Pacífico, foi um
erro estratégico. Mas as minhas preferências e opiniões são irrelevantes. O que
interessa é tentar perceber a política de Trump e as implicações para a Europa
e para Portugal.
A política comercial de Trump
acabará por forçar os europeus a escolherem entre os Estados Unidos e a China.
Na recente Cimeira do G7, Trump disse aos líderes europeus que teriam de
escolher de que lado estão, com os Estados Unidos ou com a China. A estratégia
europeia será evitar, ou adiar o máximo de tempo possível, a escolha (e até
podem conseguir), mas a pressão norte-americana é obviamente um desafio. E já
está a provocar resultados. Para a Cimeira entre a União Europeia e a China, na
próxima semana, Pequim tentou introduzir uma condenação explícita ao
protecionismo norte-americano, mas Bruxelas recusou. Os chineses também
pretendiam fazer uma queixa comum contra Washington na OMC, mas os europeus
mais uma vez rejeitaram a proposta da China. A questão central para a Europa é
a seguinte: conseguirá resistir à pressão norte-americana e manter políticas de
abertura comercial com os Estados Unidos e com a China?
No caso da Rússia, Trump
prossegue dois objetivos, e ambos fazem sentido do ponto de vista da diplomacia
americana. Procura, em primeiro lugar, afastar Moscovo de Pequim. Na Cimeira do
G7, Trump também defendeu o regresso da Rússia e o formato G8, afirmando que o
G7 precisa da Rússia para combater a China. Antes da chegada de Trump à Casa
Branca recordo-me de ouvir líderes europeus declararem, e alguns de esquerda,
que a incapacidade do Ocidente de se aliar à Rússia para combater a China teria
sido um dos maiores fracassos estratégicos do início do século XXI.
Em segundo lugar, Washington
pretende impedir a aproximação entre a Rússia e a Alemanha. Nesse sentido,
segue as tradições diplomáticas britânica e francesa entre o século XVIII e o
século XX. Washington sabe que está numa posição favorável para o fazer. Apesar
de Trump, a Alemanha ainda teme mais a Rússia do que os Estados Unidos. E
Moscovo valoriza mais a relação bilateral com os Estados Unidos do que com
Berlim. Trump pretende assim impedir a estratégia alemã de se transformar na
ponte entre os Estados Unidos e a Rússia.
Por fim, Trump decidiu
pressionar os europeus para aumentarem os investimentos na defesa. Trump pressiona
de um modo mais brutal, mas na verdade está a repetir o que Clinton, W. Bush e
Obama disseram antes dele. Mais importante, está a recordar os compromissos
assumidos pelos europeus no passado, e mais do que uma vez. O comportamento de
Washington em relação à Alemanha não é muito diferente do que a UE disse à
Grécia, a Portugal e à Irlanda durante a crise financeira: os estados membros
devem respeitar as regras e os compromissos das organizações a que pertencem.
O comportamento da
administração Trump pode colocar em causa instituições e alianças centrais para
a segurança e o bem-estar económico dos europeus. Mas, apesar de um
comportamento errático, há uma estratégia política. O poder e a importância dos
Estados Unidos exigem que se tente entender a estratégia de Trump, sobretudo
quando se discorda dela. Deixo assim um conselho aos nossos cronistas e
políticos. Chega de queixas e de lamentações que não servem para nada. Façam um
esforço para analisar e compreender. Terão a humildade suficiente para o fazer?
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador,
15-7-2018
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