domingo, 23 de setembro de 2018

[Pensando alto] Deus existe?

Pedro Frederico Caldas

Se Deus não existe, tudo é permitido – Dostoiévski

Meus caros amigos,
Eis a grande inquietação do homem: Deus existe? Se Ele existe, temos balizas; se não existe, tudo é permitido. Os ateus não concordam, acham que a ética prescinde de Sua existência, mas, mesmo entre essa casta de homens oniscientes, há os mais cautos que intuem que um tribunal divino age como a palmada que coloca a criança nos trilhos.

Antes, temos que estabelecer de que Deus estamos falando, qual a traça fundamental do seu caráter.

Dito isso, não quero aqui falar do Deus mosaico, daquele que entrega as tábuas da lei a Moisés, o Deus legislador que edita, dentre outras normas, o “não roubarás”. Não, não quero limitar a ação de Deus a algo tão pedestre, tão humano, de função tão assemelhada à dos nossos legisladores que, com a mão direita, redigem o dispositivo do Código Penal “não roubaras” e, com a esquerda, acrescentam mais um verbo ao vernáculo, o verbo petrolar, da categoria transitivo indireto, cujo significado reside em “passar a mão, de forma sub-reptícia e indireta, no dinheiro da Petrobrás”, e, quando adjetivado, tem seu superlativo em Petrolão. Não, não é desse Deus legislador de que se trata.

Também não é o Deus de Abraão, aquela figura taciturna do Velho Testamento, a Torá judaica, a emitir sentenças de morte, a destruir cidades, transformar gente em estátua de sal, ungir um rei que manda o amigo para a linha de frente do campo de batalha para passar a mão em sua mulher; ou, o Deus bondoso que manda o Filho nos libertar de nossas misérias e que, no curso dessa missão, como um Mandrake divino, promove a multiplicação de pães e peixes para o povo faminto, ou, para uma casta seleta, dentre os quais faço questão de estar, esnobe e talentosamente transforma a água em vinho, feito que se erige em meu milagre predileto.  Não, esse é um Deus muito humano, que passa dos maus bofes à bondade.

Nem o Deus espiritual, aquele que encarna a verdade e a bondade, aquele Deus, ungido em Jesus, que nos salvará, que nos abrirá as portas de uma outra existência eterna, onde os bons, os eleitos, estarão apascentados eternamente num Éden, o Deus que, nos dando a perspectiva de outra vida, nos livra da tanatofobia, nos livra dos psiquiatras, dos psicanalistas e da depressão senil; Deus que nos sabe humanos e fracos e, por isso mesmo, sempre pronto a perdoar nossos pecados, desde que tocados por pio e vero arrependimento; Deus de minha comadre Waldir,  que a ela empresta aquele ar bondoso, gentil e seguro, aquela altivez moral suavizada por um   sorriso budista, a contemplar, dos seus quase cem anos de serena existência, os céticos com a amorosa compreensão da líder espírita que é, fundada na certeza de que as ovelhas, temporariamente desgarradas, um dia volverão ao bom aprisco. Esse Deus pode ser bastante, mas ainda não é dele de que se trata.

E o Deus que “ No princípio, criou os céus e a terra” (Genesis 1,1), para, ao depois, em faina de seis dias, criar e organizar ao que à terra interessa, feito que lhe conferiu, como quer a Justiça do Trabalho, um domingo remunerado e eterno, eis que, baianamente, decidiu, do sétimo dia para frente, nada mais fazer; esse Deus que os maçons, como as pessoas simples que almejam sempre ter um doutor na família, pespegaram o grau de arquiteto, nominando-o Supremo Arquiteto do Universo, numa cincada sem precedentes, pois esse Deus está mais para operário, eis que não se limitou a um esboço, a um croquis, pelo contrário, executou a obra com as suas próprias mãos, o que deixa os maçons atolados numa contradição em termos porque Deus, sendo onisciente, não precisava de um serviço de  arquitetura, de um prévio esboço da obra a executar, sua onisciência já lhe permitiria saber o que fazer. Nesta hipótese, já nos aproximamos do Deus que é o objeto de nossa excogitação.

Enfim, chegamos ao Deus criador do Universo. Deus, para ser Deus, há que ter criado o Universo. Se o Universo o precedesse, Ele não seria o criador, mas uma criatura, pois algo antes dele já existiria. Essa hipótese Lhe tiraria a onisciência, porque não saberia da existência daquilo que já existia antes Dele, como também Lhe tiraria a onipotência, que aquele que foi feito, que não é o criador, mas uma simples criatura, onipotente não é. Necessariamente Deus tem que ser, além de onisciente, onipotente. É dizer, é um imperativo categórico que seja o criador do Universo.

É ao Deus criador do Universo que a ciência tenta demolir. Provado, pela sabedoria e ciência dos homens, que Deus não criou o Universo coisíssima nenhuma, todas aquelas outras facetas de Deus se esbarrondam.

A Astrofísica tem como certo que o Universo foi criado por uma grande explosão, um “Big Bang”. Energia altamente concentrada em uma massa menor que um bola de golfe um dia explodiu dando origem ao Universo. Quem lê obras sérias de astrofísica vê que complexas equações, experimentos os mais variados, feitos e provados, formam a conclusão de que o tal Bang, a tal grande explosão, ocorrida há cerca de quatorze bilhões de anos, foi que criou tudo o que vemos, o que não vemos ainda, ou que jamais veremos, tudo isso que se chama Universo. Deus não teria tido participação em nada. A Ciência, ao tirar de Deus a sua obra, torna sua existência improvável e entroniza a razão como regedora da vida e das ações do homem.

Ponto para a ciência.

Mas, por outro lado, a ciência joga a toalha e confessa que não tem como saber o que existia antes da grande explosão, antes do Big Bang. De fato, a Ciência não sabe o que teria ocasionado tamanha concentração de energia em algo menor do que uma bola de golfe. E mais, por que este tão pequeno núcleo de concentrada energia teria explodido para forjar algo tão grande e tão magnífico que a mente humana é incapaz de abarcar e conceber. É aí, justamente aí, onde sentam praça os que precisam da prova provada da existência Deus. Nesse vácuo, nessa zona impalpável para a Ciência, Deus é recolocado em seu trono.

Ponto para Deus.

Hoje em dia, a minha função mais séria e importante é tomar conta de um netinho chamado Benjamin, que sempre me devolve um “por que?” ou “para que?”, a tudo o que falo ou tento ensinar. O Ben ou Benny, como o chamo, é um moleque sabido, fala três idiomas. Adora que eu o ponha para dormir contando estórias miraculosas, povoadas por grandes crocodilos lutando contra anacondas imensas, ou lobos maus tentando fazer de Chapeuzinho Vermelho um bom mingau. No ápice dessas fábulas há sempre a minha chegada miraculosa para pisar no rabo do crocodilo ou dar um pontapé no traseiro do Lobo Mau. Eu sou seu herói. Costumo passear com ele às margens dos lindos canais de Aventura, centro do nosso secreto universo, ocasiões que aproveito para lhe ensinar o que é possível ser ensinado. Numa dessas nossas andanças, fiz-lhe a pergunta que me inquieta: “Ben, quem criou o Universo?”. E ele, do alto de seus quase quatro aninhos de teimosia, malcriação, mas muito amor, com um sorriso safado nos lábios, me respondeu: “Foi vovô”.
Ponto para mim.
Título e Texto: Pedro Frederico Caldas

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