João Marques de Almeida
Costa e o PS não mudaram porque descobriram
de repente as virtudes do controlo da despesa pública. Mudaram porque os
portugueses os forçaram a mudar e perceberam-no quando perderam as eleições de
2015
Como mostra o início da
campanha eleitoral, agora todos os partidos políticos são anti-despesistas. Até
Catarina Martins, no debate com António Costa, quis sossegar os portugueses,
dizendo que o Bloco é a favor das contas públicas equilibradas. Longe vão os
tempos em que o Bloco fazia campanha contra as regras fiscais da zona Euro, ou
quando os dirigentes do PS, como Pedro Nuno Santos, procuravam assustar os
alemães com a ameaça da recusa do pagamento da dívida. Aliás, a famosa
restruturação da dívida ainda nem entrou na campanha, nem entrará a sério.
Na relação dos partidos
portugueses com o défice a dívida há o pré-Passos Coelho e há o pós-Passos
Coelho. Antes de Passos Coelho, como se viu com os governos de Guterres e
sobretudo com os de Sócrates, para o PS a despesa pública não era um fator
central das suas políticas econômicas. Como resultado, veio o desastre de 2011
e a intervenção da troika. Mas nem assim, os socialistas aprenderam, e atacaram
o governo de Passos e Portas pelas políticas de consolidação orçamental, o que
chamavam de “austeridade”. Mas Passos Coelho insistiu e explicou aos
portugueses que deveria haver limites para as despesas. Caso contrário, a
economia nunca recuperaria e o país continuaria nas mãos dos seus credores.
O resultado das eleições de
2015 obrigou o PS e António Costa a mudarem. A vitória eleitoral de Passos e
Portas, apesar dos anos difíceis entre 2011 e 2015, forçou Costa a reconhecer
que os portugueses ainda não confiavam no PS. Por isso, Costa fez tudo para se
distanciar do despesismo de Sócrates e percebeu que Mário Centeno seria o
ministro mais importante do seu governo. No essencial, em matérias orçamentais,
Centeno pensa como Vitor Gaspar: ambos olham para o Euro como o elemento
indispensável para disciplinar as contas públicas, e ambos se identificam com a
ortodoxia do FMI (onde Gaspar trabalha numa posição de grande destaque e para
onde Centeno não se importaria de emigrar).
Costa impediu Passos Coelho de
se tornar PM, mas aceitou as suas políticas fiscais. O derrotado, Costa,
aprendeu com o vitorioso, Passos, que para ganhar no futuro teria que adotar
as suas receitas orçamentais. Costa e o PS não mudaram porque descobriram de
repente as virtudes do controlo da despesa pública. Mudaram porque os
portugueses os forçaram a mudar, e perceberam isso quando perderam as eleições
de 2015.
A ‘Europa’ também explica a
mudança das esquerdas em matérias fiscais. Há uma relação ambígua entre o
Portugal socialista e a União Europeia: as regras do Euro ajudam a disciplinar
os socialistas portugueses, mas, ao mesmo tempo, os dinheiros de Bruxelas são
indispensáveis para manter o Estado e as suas clientelas partidárias a
funcionar. Se o Euro estabelece as regras, a ‘Europa’ é o ‘petróleo’ do regime
socialista, que dá o dinheiro para distribuir.
A mudança de paradigma
introduzida por Passos Coelho e pelo seu governo tem um triplo significado. Em
primeiro lugar, a recusa do despesismo impede outras políticas que os
comunistas, os bloquistas e muitos socialistas gostariam de implementar, como
nacionalizações e a introdução de obstáculos ao investimento externo.
Em segundo lugar, quando a
direita regressar ao governo (daqui a alguns anos e seguramente no pós-Rio), as
esquerdas terão uma enorme dificuldade para contestar as políticas orçamentais
mais ortodoxas dos governos de direita. Quando o PCP e o Bloco forem para as
ruas contestarem as políticas econômicas, bastará mostrar-lhes os orçamentos
que aprovaram entre 2015 e 2019. Eles continuarão nas ruas e a fazer barulho,
mas a maioria dos portugueses não os levará a sério.
Por fim, Passos Coelho
preserva capital político para um dia regressar. Muitos políticos podem chegar
a PM, mas são poucos os que provocam uma revolução no discurso e nos consensos
políticos de um país.
Título e Texto: João
Marques de Almeida, Observador,
8-9-2019
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