José António Rodrigues Carmo
Eu sei que em tempo de COVID-19
não se fala noutra coisa. Mas a vida continua e no mundo gramsciano em que cada
vez mais vivemos, vão acontecendo coisas estranhas e desconhecidas para quem
não tem tempo ou pachorra para ir além das gordas dos jornais ou dos títulos
das notícias.
E contudo, também neste tempo
de covid, uma constante se mantém: a de que quem não é de esquerda é uma besta
e quem é de esquerda, ou é fantástico, ou não se fala nisso, e se não se fala
nisso, então nada aconteceu.
É por isso que toda a gente
sabe que o que se passa nos EUA e no Brasil é uma calamidade, o que se passa em
Portugal ou na China é um sucesso, mas o que se passa na Rússia, em Espanha, em
Taiwan, na República Checa etc. não consta nas notícias espalhadas pelas
agências noticiosas do costume, porque poderia levar as pessoas a pensar o
contrário do que a hegemonia cultural entende como "bempensar".
Mas há mais alguns casos
maravilhosos:
1- Nos EUA foram desclassificados nomes da Administração
Obama que estiveram envolvidos, já na fase de transição, no acesso e uso ilegal
de informação classificada relativa a personalidades da nova administração.
Desde o próprio Obama ao chefe da CIA, FBI etc. toda aquela malta cozinhou uma
maneira de tramar o então General Michael Flynn. Folheando os media
tradicionais, ou este magno assunto não é sequer referido ou é tratado em nota
de rodapé. Por cá, onde tudo o que Trump faz ou desfaz, ou diz ou não diz, é
criticado de fio a pavio, nem um pio sobre este explosivo assunto,
perfeitamente equiparado ao Watergate, porque se trata de usar o poder para
sabotar adversários políticos. Resumindo, nada é noticiado, logo o Trump é uma
bosta.
2- Todos se recordam do que aconteceu há tempos quando um
juiz conservador (Kavanaugh) foi nomeado pela atual administração, para o
Supremo Tribunal dos EUA. Surgiram alegações de uma mulher, que se reclamava vítima
de violação, em declarações confusas e datadas da adolescência. Tal não impediu
o espetáculo que se montou, o desfilar de indignações, as transmissões em direto
para todo o mundo, o horror, o terror, o ódio, a condenação contra o Trump. Há
dias surgiu uma alegação, muito mais concreta e fundamentada, de uma ex-assessora
de Biden, o vice de Obama e candidato democrata à Presidência americana. A diferença
não podia ser mais chocante. Correndo desde a CNN ao NYT, passando pelos media
hegemônicos, correspondentes das televisões nos EUA, jornais e televisões
portuguesas, e profissionais da indignação vários, é como se isto fosse um não
assunto, coitado do homem, ela é uma aproveitadora, até as valentes defensoras
do #Me too assobiam para o ar, titubeiam, afinal há que averiguar, não se pode
condenar o Biden só assim de caras, há que contextualizar. Resumindo, o assunto
não é noticiado, logo não existe e o Trump é uma besta.
3- Quotidianamente, as nossas televisões e jornais,
ressaltam o facto de o Trump ser uma cavalgadura e dão conta dos
"progressos" da oposição ao Trump, desde o presidente da junta que
fez isto ou aquilo até a manifestação de não sei quantos marmelos que berram
contra o Trump no cruzamento entre uma rua e outra. Ontem, houve eleições
parcelares na California e no Wisconsim. Alguém ouviu falar disso? Claro que
não, e sabem por quê? Porque não foram ganhas pelos darlings da
esquerda, mas por gajos ligados ao maldito Trump. Se estes darlings
tivessem ganho, não tenho qualquer dúvida que teríamos uma pormenorizada
dissecação das vitórias que anunciam o fim desta administração, e ecos
internacionais cheios de entusiasmo, incluindo peças inflamadas dos correspondentes
da SIC e da RTP. Mas como não foi isso que aconteceu, não há notícias, logo,
nada aconteceu e o Trump é uma merda.
O que eu pretendo com isto?
Apenas ilustrar que a receita
do comunista italiano Gramsci, de alcançar a hegemonia cultural pelo controle
do que se pensa , se diz e se divulga, resultou em pleno e estamos a caminho da
sociedade de 1984, onde só existe o "bempensar", ou seja, o pensar em
conformidade com o que os pastores acham bem. Ao rebanho apenas se pede que
expresse os seus balidos de acordo com o pensamento único e correto. Não
esquecendo que o que não pode ser dito não pode ser pensado e o que não pode
ser pensado não existe.
Texto: José António
Rodrigues Carmo, Facebook,
14-5-2020
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