Aparecido Raimundo de Souza
ELA, MENINA INOCENTE, CRIANÇA DE ALMA PURA, pensava sempre em alguma coisa distante. Imaginava, na inocência dos
cinco anos, vislumbres além das suas possibilidades de compreensão. Matutava. E
enquanto refletia com seus botões, espiava o horizonte. Bisbilhotava
compridamente tudo o que se descortinava diante de seus olhos. Pressentia
existir, lá longe, um horizonte incerto, tão estranho e esquisito, como o dia seguinte que ainda
estava pôr vir. Porém, não desistia, não entregava os pontos. Ela, menina
inocente, criança de alma pura, nunca deixava o seu eterno sonhar para depois.
Tampouco permitia que um rol de coisas insignificantes ofuscasse o “écran” de
seus objetivos mais primordiais
Por isto, o tempo todo viajava acordada. Neste torvelinho, quimerava, os
sentidos abertos, e, por vezes, delirava... Alucinava todas as suas forças em
ilusões momentâneas e dispersas,
entretanto, fazia tudo com os pés
no chão de terra solta. Na tela mágica do seu encantamento, fantasiava seu
agora correndo por ruas e avenidas empoeiradas em busca do nada. Vagueava
dentro desse nada, como em nada se consubstanciava todo o orbe da sua vida.
Seus dias, um mar de sofrimentos sem limites,
seu futuro um mundo longinquo e retirado, se descortinando sem
perspectivas... Seu agora, sem agora,
sem um quem sabe... Ela, contudo,
se mantinha firme imbatível. Não
desistia.
Seguia em frente, apesar dos percalços, das tragédias cotidianas, dos
desencontros de todas as horas que se arvoravam em bárbaros verdugos. Caminhava
ao léu, num indumento inglório, sem saber o que encontraria à frente, na
próxima esquina. Nunca olhava para trás. Isto jamais! Nem mesmo quando o
destino lhe chamava através do vento, ou no suave cantarolar de um pássaro
pousado em seu derredor. Ela vivia um mundo só seu, um espaço cheio de ilusões
criadas pela solidão que habitava seu interior e, de vez em sempre, emergia com
todas as catástrofes, como se tivesse, por missão, coloca-la à pique. Orgulhosa
e convícta, a princesinha não entregava
os pontos, não abria a guarda.
Ao contrário, buscava em cada um desses contratempos, uma satisfação
pessoal, que se transformava numa magia inebriante, um sortilégio que lhe
mantinha viva e, sobretudo, mais robustecida para seguir na busca do ideal. O
coração pulsava a mil por hora. O sangue lançava escopros e se dilatava dentro
das veias, como água morro abaixo. Ela não se parecia com as demais crianças da
sua idade. A diferença se destacava na vivência, sobressaia no modo como
colocava as coisas na cabeça. Sua visão do amanhã, não ia além de um amontoado
de pensamentos embaralhados, difusos, confusos.
Contudo, essas utopias explodiam como se formassem massas enormes de infusórios e polipeiros; sempre em busca de um porto novo; como se
aquém, vislumbrasse, lá do outro lado do não sei onde, um cais seguro.
Um dia, a menina inocente se tornou adulta, se emancipou numa metamorfose
visceral, a ponto de tender a uma elegância imensuravel. Cresceu a criança em
tamanho, em beleza e encantamento.
Aquele rostinho de bonequinha, se fez
linda mulher. Senhora de corpo divinal. De sofrida, de padecida e
expiada, ela se transformou,
entrementes, numa espécie de “tempo presente”. E dentro desse tempo, virou
deusa. Ficou intocável, se trancou fechada, porém, senhora de si. Dona de seus
segredos e medos, esperanças e desgraças, caminhos e dissabores. Sem perder a
pose, o riso, o viço, a beleza, a ternura, a naturalidade. A menina criança se abriu, inteira em flor.
Sobressaiu entre as demais do imenso jardim e seguiu adiante. Partiu
radiosa, firme, forte, dona de si, confiante, e, nunca, em nenhum momento,
nunca se deixou levar pelas fatalidades.
Hoje, tantos anos passados, tantas noites e dias, esta criança é uma moça
de olhos de esperança. É estrela brilhando no infinito. É leveza, é presença
pujante dos avatares do Criador. Qualquer um de nós, pode vê-la, contemplá-la,
senti-la onde o azul é sempre azul e se faz eternamente bucólico E o sol,
igualmente enamorado, deixa crescer dentro de seu núcleo, o amor desvelado e
compassivo, e para todo sempre, se mostra mavioso e resplandescente, com seus
raios dardejando milhões e milhões de cálidas e eternas F E L I C I D A D E
S.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, de Vila
Velha, Espírito Santo. 26-5-2020
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