Graves me parecem as
declarações de António Costa [foto] que li no Observador e no Diário de Notícias na
semana passada: “Questionado sobre se não partilha da ideia de que podíamos
controlar apenas as pessoas mais velhas e quem cuida deles, deixando os
restantes ser contaminados e curar-se naturalmente, Costa diz que em Portugal ‘essa
estratégia não seria socialmente compreendida’. Prova disso é que antes mesmo
das ordens de encerramento, o povo português teve um sentimento geral de
autoproteção. ‘Não podemos adotar uma estratégia que não consiga mobilizar os
portugueses’, explica.” “O que eu acho que era a estratégia correta para
mobilizar o conjunto do país era a ideia de que temos de nos proteger uns aos
outros”, diz.
Noutra entrevista, no Diário
de Notícias, defendia que, ao contrário do que aconteceu no Estado de
emergência, era tempo de deixar de tratar de forma diferenciada os mais velhos,
já que poderia provocar a estigmatização deste grupo.
Aparentemente, para António
Costa, não importam os reais méritos de diferentes opções de políticas
sanitárias (que nem se discutem), importa apenas o que ele sente serem os
humores do povo, aquilo que o possa “mobilizar”. Estratégias mais eficazes não
merecem ser seguidas, defendidas ou até apresentadas, se não corresponderem à
ideia que o Governo tem do que o povo mais aprecia. A governação é então a arte
de ter bons palpites relativamente ao que motiva o votante, desconsiderando a
valia intrínseca de opções disponíveis. Compete ao Governo ir legalizando o que
sente ser o desejo popular.
Sugere António Costa que,
“protegermo-nos uns aos outros” é inconciliável com qualquer outra estratégia
senão o confinamento. A medida que o
Povo escolheu e que o Governo implementou. Um ser provavelmente mais instintivo
e primário que racional, o homem do povo, é também particularmente teimoso. Uma
vez decidido que o seu caminho é a autoproteção, escolhe a forma como esta será
exercida (o confinamento) e não admite alterações, mesmo que tudo o resto se
altere. Não competirá ao governo, nem alertar para as opções aconselháveis, nem
escolher ou sugerir novos caminhos. Há que respeitar o autismo do povo. Desde
que ele começou a pretender mais do que pão e circo, é difícil motivá-lo e não
se pode contrariá-lo (a não ser com novos impostos).
Finalmente, António Costa,
elimina tratamentos diferenciados aos mais velhos, o grupo de maior risco, para
que estes não se sintam estigmatizados. Uma ideia que estabelece que o
princípio de igualdade, tem que ser aplicado sem consideração por diferenças objetivas
de circunstâncias. A seu tempo, parece-me que chegaremos à prescrição do mesmo
medicamento para todos, independentemente da doença que aflija cada um,
atingindo-se a igualdade plena e nenhuma estigmatização.
Em Portugal e no Mundo, mais
de 95% das mortes registadas são de maiores de 60 anos, que, no nosso país,
correspondem a menos de 30% da população.
Ignorar factos e diferenças objetivas
implica uma variante, para pior, da tradicional política socialista, que
costuma concentrar benefícios em alguns e distribuir os custos por todos. Neste
caso, distribui-se e multiplica-se o ónus por todos, sem beneficiar ou isentar
ninguém.
Institui-se, então, uma
pretensa igualdade acéfala e que só existe nas eventuais intenções do Governo e
no seu formidável discurso político: o “estarmos todos no mesmo barco”.
Que igualdade existe entre os
que têm 20% de taxa de mortalidade e aqueles que têm uma taxa próxima de zero?
Que igualdade existe entre os que continuam a trabalhar fora das suas casas,
expostos ao vírus, e aqueles que ficam confinados em sua casa, supostamente
protegidos? Que igualdade existe entre os que têm o seu rendimento intocado,
aqueles que mantêm uma parcela do seu rendimento, aqueles que perderam todo o
seu rendimento, aqueles que faliram e aqueles que já passam fome?
Cada vez mais, em Portugal e
no Mundo, parece que mais vale cair em graça do que ser engraçado.
PS: Não nos podemos esquecer que o confinamento, em
termos de sustentabilidade, é muito próximo da solução de suster a respiração e
fechar os olhos, para não se ser infectado:
funciona, até ser necessário voltar a respirar. Pelo que parece estar na
altura de medidas responsáveis, mesmo que não populares.
Título e Texto: José Miguel
Roque Martins, Corta-fitas,
7-5-2020
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