![]() |
Imagem retirada daqui |
Merval Pereira
O Brasil é o único lugar do
mundo onde se fica jovem até mais tarde e se envelhece mais cedo. Em todo lugar
do mundo é idoso quem tem mais de 65 anos, mas no Brasil a velhice chega aos 60
anos, graças a pressões sindicais. Por outro lado, também por interesses
políticos e da UNE, a juventude se estende até os 29 anos.
O Estatuto da Juventude
aprovado no Congresso dá direito a meia-entrada em espetáculos e meia-passagem
em transportes a "jovens" de 15 a 29 anos. E essas especificidades
brasileiras entravam, tanto quanto a falta de aeroportos e estádios, a
realização da Copa do Mundo de 2014.
A Fifa, como todos sabem, tem
seus patrocinadores, seus interesses econômicos, e o governo brasileiro, que
assinou o compromisso de aceitar as regras da Fifa, coloca a soberania
brasileira no meio da discussão sobre a meia-entrada e a venda de bebidas
alcoólicas.
Esse patriotismo tosco é o
retorno do complexo de vira-lata do Nelson Rodrigues. Ou você quer realizar o
evento e aceita as regras, ou chega à conclusão de que não vale a pena e não
aceita sediar a Copa do Mundo, que no final das contas não passa de um negócio,
um grande negócio, que movimenta bilhões e bilhões de pessoas e de dólares em
todo o mundo.
É bom para a Fifa que se
realize aqui, no país do futebol, único pentacampeão mundial. As imagens que as
televisões transmitirão para todo o mundo certamente serão das mais belas já
mostradas, mas nos pareceu ser também um bom negócio para o país, porque atrai
turistas, lança mais uma vez a imagem do país no mundo, e, se Deus ajudar na
construção dos estádios e dos aeroportos, mostrará não apenas as belas paisagens
mas a capacidade de realização do país, um dos componentes do Brics - outro
deles, a África do Sul, recentemente incluída no grupo, realizou a Copa de 2010
com grande sucesso.
Ao mesmo tempo em que batem no
peito alegando defender os "interesses nacionais", as autoridades
brasileiras cometem erros básicos, como, por exemplo, a presidente Dilma
Rousseff discutir detalhes da organização dos jogos com o secretário-geral da
Fifa, Jerome Walker.
Se o presidente da entidade,
Joseph Blatter, não pôde ir à reunião na Bélgica, que Walker conversasse com o
ministro dos Esportes, Orlando Silva, sobre questões como meia-entrada para
idosos e venda de bebidas alcoólicas nos estádios.
E a discussão sobre esses
pontos controversos pode ser mais simples do que está parecendo. Proibir venda
de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol faz parte de uma legislação
federal, o Estatuto do Torcedor, e sua suspensão no período da Copa do Mundo
tem que ser negociada com o Congresso.
Mas é uma negociação de fácil
resolução, já que não temos razões de fundo religioso nem cultural para proibir
venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol.
Trata-se de uma medida
preventiva, para evitar brigas e confusões entre as torcidas, que pode ser
substituída naquele mês da Copa por outras. Difícil seria para a Fifa resolver
essa questão em certos países árabes.
O fato é que, quando se
candidatou a sediar a Copa do Mundo - ninguém obrigou o país a fazer isso -, o
Brasil sabia dos interesses econômicos da Fifa, e se comprometeu a acatá-los.
Ou as autoridades brasileiras
que acertaram a realização da Copa do Mundo não avisaram que temos nossas
especificidades, e agora terão que arcar com os prejuízos decorrentes.
O prefeito Eduardo Paes
definiu bem a situação da meia-entrada para idoso, que agora também abarcará os
"jovens" de 15 até 29 anos: se a legislação brasileira obriga a venda
de meia-entrada, então prefeituras e governos estaduais terão que subsidiar os
ingressos, com o apoio do governo federal.
A aprovação do Estatuto da
Juventude colocou em foco o descompasso entre políticos do mesmo partido, no
caso o PCdoB. O ministro dos Esportes, Orlando Silva, do PCdoB, está negociando
com a Fifa a questão da meia-entrada para os idosos, e agora terá que negociar
também a meia-entrada para os jovens de até 29 anos, lei proposta por uma
deputada também do PCdoB, que transformou uma questão estadual em problema
federal.
Chegamos a uma situação tal
que o cidadão e a cidadã brasileiros só têm que pagar suas obrigações integrais
dos 30 aos 60 anos, pois cada grupo corporativo vai protegendo os seus, sem
pensar nos efeitos que cada benesse dessas provoca no País como um todo.
A meia-entrada, por exemplo,
atribuída a tantos grupos, prejudica as companhias de transportes, os teatros,
os cinemas, a classe musical e artística de maneira geral. É por isso que os
preços dos espetáculos no Brasil são caríssimos, para compensar a perda de
receita.
O texto do Estatuto da
Juventude diz que no caso da meia-entrada em transportes não pode haver aumento
de tarifa para compensar, e prevê que o prejuízo das companhias de transportes
seja coberto por subsídio do Estado.
Ao mesmo tempo, a base aliada
do governo, capitaneada pelo PT, se rebela pelo pedido de urgência para a
regulamentação do sistema de previdência complementar para o serviço público,
enviado para o Congresso em 2007 e que até hoje não entrou em funcionamento.
A limitação, no mesmo nível do
INSS, das aposentadorias dos novos servidores públicos, é rejeitada pelos
políticos governistas, sem levar em conta a inviabilidade no médio prazo do
sistema de aposentadoria integral do nosso sistema público.
São novos sintomas de um mal
já conhecido, consequências do Estado provedor que, nas palavras do acadêmico e
ex-ministro da Educação Eduardo Portella, "traz, dentro de si, as ameaças
do Estado autoritário, sem os benefícios do Estado previdência. Enquanto isso,
o país se apresenta como forte candidato à medalha de ouro na olimpíada
internacional da sobrecarga tributária".
Título e Texto: Merval
Pereira, O Globo, 07-10-2011
Recebido de Rafael Picate
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-