Ilustrados pela foto do
auditório deserto, quatro trechos pinçados por Celso Arnaldo Araújo foram
suficientes para escancarar de novo, sempre com apavorante nitidez, a
superlativa mediocridade de Dilma Rousseff. Mas o jornalismo oficialista é duro
na queda: colunistas de grandes jornais continuam enxergando na chefia do
governo a supergerente que nunca existiu. Justificadamente espantado com o que
a turma andou escrevendo sobre a presidente que não diz coisa com coisa, Celso
Arnaldo valeu-se de outro texto irretocável para tratar da epidemia de cegueira
voluntária. (AN)
As dezenas de profissionais
que integram a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República são
pagos para defender a chefe. E não há melhor forma de defesa do que a
mistificação — arte de mentir sem faltar com a verdade, que no caso é uma
questão de crença pessoal. Por isso, não questiono jamais o tom e o teor das
matérias do Blog do Planalto, que faz um trabalho parecido com o website
oficial da monarquia britânica. Nós pagamos para essa gente defender a rainha.
É a regra do jogo.
Mas a coisa muda de figura
quando a tarefa de mistificar o perfil de Dilma se estende à nata de nosso
jornalismo político – que, depois de dez desastrosos meses de governo, continua
comprando, e vendendo aos leitores, a velha farsa de Dilma como a supergerente
que comandou a escalada do Brasil das cavernas para o Primeiro Mundo, no
governo Lula.
Na página A11 da Folha deste
domingo, o sempre comedido Fernando Rodrigues ainda insiste no surrado mito,
desmontado a cada razia da mídia no ministério da presidente, da chairwoman
perfeccionista, onipresente e onisciente, perto de quem Steve Jobs se pareceria
com o dono de uma falida oficina de máquinas de escrever.
Escreve FR, a pretexto de
justificar o ritmo lento, quase parado, com que o governo toma decisões e
implementa programas fartamente anunciados pela máquina de propaganda: “Não há
hipótese de a presidente receber algum interlocutor para tratar de alguma obra
ou projeto governamental sem estar devidamente brifada a respeito (…) Dilma
raramente vai se contentar com primeiras explicações. Fará perguntas adicionais
e o encarregado terá de voltar aos estudos”.
Que lindo. A presidente não se
contenta com primeiras explicações, mas achou o programa Segundo Tempo mais
perfeito que uma jogada de Neymar – aquele que “eu vi, deixei de ver, voltei a
ver”. Quem a brifou? Na certa, Orlando, depois de estudar muito o modus
operandi dos ongueiros amigos.
Não fosse VEJA, o encarregado
Orlando e sua quadrilha de malandros que roubam por esporte estariam ainda na
zona do agrião, livres de marcação para estufar o cofre. Quantos níveis de
explicações – segundas, terceiras, quartas? – Dilma exigiu para compreender a
tática “ladrão de bola” do Segundo Tempo?
Não é só. Ao lado da “análise”
de FR na Folha há outro texto, assinado por Natuza Nery, que
traz o seguinte olho: “Dilma criou ritual de ‘espancamento’ de projetos, em que
faz questionamentos para ver se a ideia fica de pé”.
Quem, em sã consciência, de
posse de suas faculdades mentais e decentes, realmente acredita nessa imagem
tão pífia? Essa postura “épica-ética” de governar combina com os 10 meses da
Presidência Dilma? Não fosse a imprensa, a roubalheira dos projetos de ministérios
até aqui implodidos ainda estaria de pé, apesar de cruelmente “espancados” por
Dilma.
A mistificação se ramifica por
todos os segmentos da mídia. No circuito Elizabeth Arden, a revista Poder
dedica sua capa a Dilma. Mas a presidente manchetada na capa se parece com a
que tomou posse em janeiro, não com a que vaza um ministro por corrupção a cada
mês e meio:
"SENHORA DO DESTINO – Rigorosa
com subordinados e aliados, elogiada até pela oposição, como a presidente Dilma
vem mudando o jeito de governar o país."
Qual é, exatamente, o novo
jeito de governar dessa mocinha da novela das 9? O jeito de entregar
ministérios com porteira fechada a larápios da base aliada? O jeito de levar a
sério a promessa de construir 6 mil creches em quatro anos de governo? Madame,
by the way, já inaugurou alguma, nesses 10 meses? No corpo da matéria de oito
páginas, a revista explica esse jeito novo de governar o país, reproduzindo
fielmente o delírio de um assessor direto:
“A presidente só faz perguntas
difíceis. Na hora de despachar, é melhor estar preparadíssimo para respondê-la,
caso contrário, é bronca na certa”.
Notaram? É preciso estar
preparado para “respondê-la” — bem ao estilo Dilma. Um assessor com algum nível
deveria estar preparado para responder ou responder a ela. Na verdade, a
presidente só faz perguntas difíceis porque não sabe fazê-las fáceis. Quando se
leu ou se ouviu em algum lugar uma pergunta ou uma resposta de Dilma que fosse
fácil de fazer sentido?
É o caso de dizer: roubem à
vontade – mas nos poupem.
Título e Texto: Augusto Nunes,
07-11-2011
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