O Estado de S.Paulo
O narcisismo do ex-presidente
Lula compensa com folga o fato de "algumas pessoas" não gostarem
dele, como disse há dias, numa indireta ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo
Tribunal, que o acusou de querer "melar" o julgamento do mensalão. A
exacerbada autoestima, combinada com o senso de onipotência, o levou a afirmar,
como se fosse natural nas democracias, que "não pode permitir" que um
tucano volte a ser presidente. Por isso, caso a sua sucessora Dilma Rousseff
não queira disputar um segundo mandato em 2014, ele se declara desde já pronto
para se recandidatar ao Planalto.
Isso e muito mais, como se diz
em propaganda, Lula ofereceu a um público estimado em 1,4 milhão de
espectadores na Grande São Paulo, durante os 44 minutos, divididos em dois
blocos, que durou a sua aparição no Programa do Ratinho, do SBT, no horário
nobre da quinta-feira. Foi a sua primeira ida à TV desde que se despiu da faixa
presidencial e a sua primeira entrevista na TV desde o diagnóstico de câncer na
laringe, cujo tratamento o deixou roufenho, entre outras sequelas. A rigor, o
termo entrevista, no sentido convencional, não se aplica. Aquilo foi um
espetáculo de endeusamento, em dupla com o apresentador.
Carlos Massa, o Ratinho, é uma
das muitas pessoas que gostam de Lula - e a recíproca é verdadeira. "Já
comi rabada na casa dele e ele na minha", disse o ex-presidente no ar,
justificando a sua presença no programa de um dos animadores preferidos das
classes pobres, que começou na mídia eletrônica batendo na mesa com um porrete
para mostrar o que a polícia devia fazer com os "marginais". Lula se
considera um campeão na defesa dos direitos humanos, mas amizades são amizades.
Ainda mais quando o amigo, pouco importa o seu caráter, lhe proporciona uma
inestimável oportunidade.
No caso, a de apresentar ao
povo, cobrindo-o de louvações, o candidato de primeira viagem que impôs ao PT
para disputar a Prefeitura da capital em outubro próximo, o ex-ministro da
Educação Fernando Haddad - chamado, na hora apropriada, a participar do show. A
narrativa das atribulações por que o ex-presidente ainda passa em razão da
enfermidade, com vídeos e fundo musical escolhidos para tocar os corações dos
eleitores, não passou, portanto, de um açucarado aperitivo antes de serem
servidos os vínculos entre o imensamente popular Lula e o candidato detentor,
até aqui, de 3% das intenções de voto dos paulistanos.
A propaganda, diria o Ratinho,
foi escrachada. Haddad, profetizou o seu patrono, "vai passar para a
história como uma pessoa que colocou mais pessoas no ensino público",
referindo-se ao ProUni. Como o script foi acertado de antemão, rolou um vídeo
com a história da filha de um pedreiro que chegou à faculdade graças à
iniciativa. A encenação continuou com o apresentador perguntando ao candidato o
que um prefeito pode fazer pela saúde e este respondendo que terá um
"programa de gestão" para o que seria "o problema número um de
São Paulo".
Lula e Haddad começaram assim
a fazer o que Lula e Dilma fizeram em 2010 - propaganda eleitoral antecipada.
Pela lei, a campanha, nas ruas e na internet, só pode ter início a três meses
da votação. Curiosa, a legislação brasileira. A partir de então, as emissoras
de rádio e TV ficam proibidas, entre outras coisas, de "dar tratamento
privilegiado" a candidatos. Antes, logicamente, podem, como o Ratinho se
esbaldou de fazer anteontem - pela bizantina razão de que aqueles só passam a
existir ao serem escolhidos em convenções partidárias. Estas, por sua vez, não
podem se realizar antes de determinada data (10 de junho, no caso das eleições
municipais deste ano).
Partidos são associações civis
e, como tal, deviam ter o direito de escolher os seus candidatos quando bem
entendessem - dentro de um prazo que levasse em conta o tempo necessário à
inclusão dos respectivos nomes nas cédulas eletrônicas. A camisa de força, além
do mais, é uma hipocrisia. Cria a ficção de que, por exemplo, Fernando Haddad
poderá não ser o candidato do PT nem José Serra, do PSDB. Disso resulta esse
ente dissimulado chamado "pré-candidato". É mais do que tempo de
liberar o processo.
Título e Texto: Editorial do “Estado de S. Paulo”, 03-06-2012
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