Vai na Internet e nos jornais uma grande celeuma sobre um cão, cruzado Pitt
Bull e Mastim da Rodésia, que matou uma criança de 18 meses. Há duas posições:
a legal, que pretende que o cão, sendo perigoso, deve ser abatido. E a dos
movimentos dos direitos animais, que pretendem que não se junte uma morte a
outra morte e se poupe o cão. Quem tem defendido a morte do cão tem sido
caluniado e insultado. Há até um abaixo-assinado, salvo erro com 11 000
assinaturas, contra o abate do cão.
É útil compreender as razões
que podem ter levado o cão a este comportamento para se poder ter alguma
opinião que não seja apenas emocional.
O cão tem uma estrutura social baseada em principalmente dois factores: a ligação aos membros do grupo e o par agressão/submissão. Os cães de um grupo estão, normalmente, ligados aos membros desse grupo por aquilo a que chamaríamos amizade: vontade de estar com os outros, que se traduz em várias manifestações de afecto. Mas as sociedades caninas não são igualitárias: há um macho dominante, uma fêmea dominante e essa dominância é conseguida através de processos de ameaça, agressão e submissão do animal dominado, submissão essa que normalmente inibe a agressão do dominante.
O cão tem uma estrutura social baseada em principalmente dois factores: a ligação aos membros do grupo e o par agressão/submissão. Os cães de um grupo estão, normalmente, ligados aos membros desse grupo por aquilo a que chamaríamos amizade: vontade de estar com os outros, que se traduz em várias manifestações de afecto. Mas as sociedades caninas não são igualitárias: há um macho dominante, uma fêmea dominante e essa dominância é conseguida através de processos de ameaça, agressão e submissão do animal dominado, submissão essa que normalmente inibe a agressão do dominante.
Essa organização é, de certo
modo, parecida com a nossa. O que fez do cão um animal doméstico foi, em parte,
o facto de compreendermos muito bem a linguagem que usa para se mostrar
subordinado: orelhas para trás, testa lisa, comissuras esticadas, posição
agachada, lamber o focinho, ganir.
Reconhecemos espontaneamente
essa reacção como subordinação e interpretamo‑la como «ser querido», ser
afectuoso. É isso que nos faz gostar tanto de cães: são realmente nossos amigos
mas não são nossos iguais: submetem-se-nos.
Em condições normais um cão
nunca ataca um membro da sua família humana porque se submete a todos os
membros da família. Pode suceder que o cão ou a cadela tentem reclamar a dona
ou o dono e nesse caso podem ameaçar e atacar os seus «rivais» sexuais. Mas não
atacam, por agressão, crianças. A razão é simples: antes da puberdade os cães
não lutam pelo estatuto, de modo que não há qualquer razão para a agressão. Os
cães reconhecem a puberdade nos humanos pelo cheiro.
No caso de que agora se fala o
ataque à criança de 18 meses tem uma origem provavelmente diferente. Os cães
são predadores. Uma criança, se não for reconhecida como membro do grupo, pode
ser atacada. Não conheço os detalhes do que sucedeu, mas pode ter sucedido isso
mesmo. A criança talvez tenha corrido, o cão atacoua como faria a uma presa.
Há outras possibilidades: não
sabemos se o cão era usado em lutas (é muito fácil saber pelas cicatrizes); se
tiver sido esse o caso e se houvesse um ambiente de muita excitação por parte
da criança, pode ser essa a explicação.
Em qualquer caso, o ataque
significa que o cão é perigoso. Se matou uma vez não há nenhuma razão para que
o não faça segunda e terceira vezes.
O juízo de que «o cão não tem
culpa» porque não sabe o que é bem ou mal é verdadeiro, mas não se aplica por
duas razões: a lei não vinga os actos mal feitos: isola os perpetradores de
actos condenados pela sociedade. Portanto, a morte do cão não seria nunca um
acto de vingança, mas uma simples precaução para o futuro (não há prisões para
cães).
A ideia de que a vida do cão
vale tanto quanto a de um humano é baseada no pressuposto de que qualquer vida
consciente («sentiente» é o termo técnico) vale tanto como outra qualquer. Mas
por essa ordem de ideias não podemos combater uma alcateia de lobos que nos
ataque. Ninguém normal defenderá isso.
Na minha opinião o que está
presente nos grupos que defendem o cão é outra coisa. Há um movimento romântico
de defesa dos animais que é justo e tem razão de ser – afinal os animais
sofrem, e esse sofrimento deve ser tomado em conta. Mas aquilo a que se está a
assistir é um fenómeno diferente. Para o compreender vou dar um exemplo
simples. Tomamos partido pelos polacos contra os alemães na 2ª guerra; pelos
judeus contra os polacos durante os pogroms; pelos palestinianos contra os judeus
na questão israelita.
Em todos estes casos sentimos
uma piedade extrema pelo grupo mais fraco. Quando isso sucede vemos o fraco
como completamente bom e inocente (mesmo sabendo que o não é) e o forte como
cruel e malévolo. Neste caso o cão é visto como vítima e por isso se ataca com
raiva quem o quer ver morto.
Até aqui o processo é muito
claro. O que é estranho é que a vítima seja o cão e o perpetrador sejam os
humanos. Seria muito mais natural que sentíssemos pena da verdadeira vítima, a
criança e os seus pais. Que isso não suceda pede uma explicação mais complexa.
Comecei por dizer que os cães
se submetem aos humanos e que o fazem de maneira a comovernos. Comovenos a
inocência dos cães, a sua incapacidade de mentir, a sua pureza de intenções,
mesmo quando são más. Mas comovenos especialmente a sua submissão. Estando
comovidos com um outro ser não lhe podemos fazer mal – é a nossa forma de
sermos sociais: se alguém se nos submete, se reconhece o nosso poder, deixamos
de atacar. Há casos descritos deste fenómeno mesmo na guerra. Podemos zangarnos
com o cão, ser injustos, que não diminuímos a subordinação dele por nós – pelo
contrário. Em contrapartida desapontamos as pessoas; as pessoas julgam-nos, não
nos aceitam necessariamente como somos.
Isso leva a uma atitude de
protecção para com os animais que não se tem pelas pessoas. Por isso há quem,
neste caso triste, identifique a vítima com o cão e não com a criança que foi
morta.
Pode parecer estranho mas é
finalmente muito compreensível.
Título e Texto: Rodrigo de Sá-Nogueira Saraiva, no
blogue "Contraponto e outros assuntos menos solenes", 15-01-2013
Via Alberto de Freitas
Via Alberto de Freitas
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