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Helena Roseta, Mário Soares e Vítor Ramalho |
A hipocrisia tem limites. E o
caro Pacheco Pereira, com a idoneidade que o caracteriza, deveria ter olhos
para ver isso.
Permita-me então continuar
esta carta de choque e algum pavor, caro amigo, companheiro e camarada Pacheco
Pereira, após escutar a sua intervenção no encontro da Aula Magna. Nós tínhamos
ficado no ponto em que eu defendi que não se pode sair em auxílio da geração
nem-nem (nem estuda, nem trabalha) com políticas nim-nim – nem assim, nem
assado, nem de qualquer forma compreensível para quem não se deixe seduzir por
vendedores da banha da cobra, tipo António José Seguro.
O problema, portanto, não está
no “atacar”, mas em saber como nos devemos então “defender”, para nos opormos à
troika e ao Governo de uma forma que: a) esteja efectivamente nas nossas mãos;
b) não exija a saída do euro; c) não perore sobre haircuts e reestruturações
sem ter em conta que 35% da nossa dívida está na mão de investidores domésticos
e apenas 22% em mãos estrangeiras (o resto, segundo estimativa do Deutsche
Bank, é da troika); d) perceba que, por muito escandalosos que sejam swaps, PPP
e trafulhices financeiras, Portugal continuaria escandalosamente falido mesmo
que eles não existissem.
O Pacheco Pereira tem sido
muito claro na defesa de que, em alturas de urgência e de crise como esta, é
necessário escolher o lado da barricada em que se quer estar. Certo. Só que
hoje em dia, mais importantes do que as clássicas trincheiras pró-governamental
e antigovernamental são as trincheiras dos programas políticos aplicáveis e a
dos programas políticos lunáticos – e essas trincheiras, como na guerra,
cruzam-se com frequência. Ora, de que me serve saltar todo ufano para a
trincheira antigovernamental se depois ao meu lado tenho um combatente por um
programa político lunático? Isso só faz sentido numa ocasião: quando se
considera que abater o inimigo é mais importante do que escolher o amigo. E
sobre isso tenho a dizer o seguinte: olhando para os amigos que Pacheco Pereira
tinha sentados ao seu lado na Aula Magna, não admira que pense assim.
Eu não tenho espaço para estar
aqui a analisar o currículo de vários companheiros de mesa de Pacheco Pereira,
esses profundos indignados pela situação em que o país se encontra, mas
passemos ao lado de Mário Soares para nos focarmos apenas num dos principais
organizadores do evento e num dos seus últimos cargos públicos: Vítor Ramalho e
a presidência do Inatel. E aqui, aconselho a todos os leitores as cinco páginas
(pp. 98-102) que o livro Má Despesa Pública, de Bárbara Rocha e Rui Oliveira
Marques, lhes dedica: de viagens a Bali a tradutores oriundos da Juventude
Socialista de Setúbal, de cuja distrital o senhor Ramalho era presidente,
passando pela famosa entrevista pela qual pagou cinco mil euros por ser sua
obrigação “promover o Inatel”, o que dali emerge é o retrato do típico político
profundamente dedicado à causa pública, no sentido em que ela sempre fez
maravilhas por si.
E é por isso, caro Pacheco
Pereira, que embora eu simpatize com o seu discurso e comungue de muitas das
suas preocupações, não sou capaz de fingir um torcicolo para não ver quem está
sentado ao meu lado. Sim, nós precisamos de uma outra política e de outros
políticos. Mas não precisamos só disso. Precisamos de uma alternativa
consistente. E precisamos – sempre, por razões de memória – de apontar o dedo a
quem andou a enterrar o país para agora vir, de pança cheia, armar-se em
porta-voz dos pobres e oprimidos. A hipocrisia tem limites. E o caro Pacheco
Pereira, com a idoneidade que o caracteriza, deveria ter olhos para ver isso.
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