Pela hora a que este jornal
começa a ser lido, há 38 anos, Jaime Neves, à frente de
uma força de comandos, subia a Calçada da Ajuda. Civis armados barricados
tentavam evitar a entrada dos comandos nos quartéis de Cavalaria 7 e da Polícia
Militar.
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Jaime Neves |
Podem contar-se milhares de
histórias sobre o que aconteceu em Novembro de 1975 em território português -
talvez o mês mais interessante da nossa História recente - o que não se pode
dizer é que a esquerda, e muito particularmente o PCP, foram derrotados nesse
dia. Digamos que em Novembro de 1975, entregue em Angola "o poder ao
MPLA" como exigiam recorrentemente milhares de manifestantes em Lisboa,
trocámos a agitação do socialismo revolucionário de uma frente de esquerda
político-militar pela tranquilidade do socialismo institucional da Constituição
e do aparelho de Estado.
Sinceramente todos ganhámos
com isso a começar pela esquerda radical que teria acabado a matar-se a si
mesma nas suas guerras internas ou a ser massacrada pelo povo; os militares
desembaraçaram-se dessa multidão de jornalistas e jovens que procuravam um Che
Guevara em cada esquina do Ralis. O País podia finalmente descansar da luta
contra os golpes fascistas e espiões da CIA (um dos grandes mistérios de então
e da actualidade reside no facto de apenas se avistarem os agentes e as
malfeitorias dos serviços secretos norte-americanos.) Já se podia ser patrão
sem se ser considerado explorador. Os ministros já conseguiam entrar nos
respectivos ministérios sem depararem com comissões várias que além de os
declararem incompetentes ainda os ameaçavam com o anátema do reaccionarismo. E,
não menos importante, nas lojas voltava a haver bacalhau e calças de ganga de
marca e na televisão a hegemonia dos desenhos animados dos países de leste não
chegava ao fim mas admitia-se que as crianças precisavam de rir com os produtos
alienantes do capitalismo.
Tudo passou a ser possível
desde que naturalmente não se pusesse (nem ponha) em causa a superioridade
moral do socialismo em geral e da esquerda em particular: intelectual de
esquerda, católico progressista, cidadão de causas e activista são algumas das
designações que ao longo dos anos passaram a conferir de imediato aos ungidos
com tais epítetos um grau superior de bondade e clarividência. A nossa
linguagem adaptou-se a esta dupla forma de julgar: Pinochet é um criminoso;
Fidel um líder carismático. Wyriamu foi um massacre; a descolonização uma
desilusão. Um português de esquerda escolhido para um cargo internacional é uma
honra e o seu desempenho sempre acima de notável; se for de direita não passa
de um moço de recados deste e daquele.
Politicamente o socialismo tornou-se
uma espécie de padrão único de pensamento sobretudo desde que socialismo passou
a significar mais e mais investimento público; mais e mais legislação a
regulamentar tudo o que economicamente existe e está para existir; mais e mais
intervenção do Estado na vida quotidiana. Discordar disto e afirmar por exemplo
que o salário mínimo contribui para aumentar o desemprego (sobretudo dos
jovens) ou que os suíços tomaram um decisão acertada ao votar contra a
limitação dos salários dos gestores é um passaporte para quem assim fala se
tornar num pária.
Podia e devia continuar a dar
exemplos mas já não tenho mais espaço e francamente falta-me a paciência.
Afinal não vivemos todos tão bem há 38 anos fazendo de conta que o socialismo é
o sistema mais justo e mais humano? Só tivemos de pedir ajuda para comer três
vezes, por sinal aos mesmos que depois mandámos e mandamos lixar.
Entretanto, pela hora a que em
2013 este jornal se torna passado, no anoitecer do dia 26 de Novembro de 1975,
três homens tinham morrido na Calçada da Ajuda: dois eram comandos, um da
polícia militar. Hoje tudo isso parece estar lá tão longe. Mas é desse país de
Novembro de 1975 que vimos. E é a ele e às suas contradições que voltamos em
cada crise.
Título e Texto: Helena Matos, Diário Económico, 26-11-2013
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