sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Já encheu o saco essa conversa de protetorado


Henrique Monteiro
Não sei se foi Paulo Portas quem começou a conversa, mas hoje em dia tornou-se viral. Cada português que fala sobre Portugal coloca um ar sério e diz que estamos num regime de protetorado.

Sobre isto convém dizer algumas coisas que ficam escondidas.
1) O 'protetorado' foi chamado por nós - o Governo anterior pediu ajuda à troika porque não tinha dinheiro;
2) A troika empresta-nos dinheiro a juros muito mais baixos do que qualquer outra entidade do planeta (depende dos mercados, mas chega a ser menos de metade);
3) A troika tem-nos sugerido reformas que há muito andavam a ser discutidas entre nós, mas ninguém tinha a coragem de as fazer. Mais: a troika serve de desculpa para políticos cobardes proporem medidas que, caso não fossem cobardes, proporiam de qualquer modo.
4) Portugal é livre de romper com a troika a qualquer momento, pelo que o 'protetorado' não nos é imposto, ao contrário do que se diz.

Por isto e por muitos outros argumentos, é errado dizer que Portugal vive sob um 'protetorado'. Portugal é um país soberano (e convém que o número dois do Governo o saiba) com instituições soberanas que decidiu soberanamente aderir a certos organismos supranacionais e pedir ajuda a determinadas organizações internacionais. Em qualquer momento pode mandá-los passear.
O que nos falta não é soberania, é coragem para enfrentar como nosso o falhanço de anos e anos de medidas erradas. E esse falhanço não é do reformado comum, do funcionário público, do trabalhador ou do desempregado. Mas curiosamente são pessoas assim que hoje (tanto à esquerda como à direita), enganadas por quem sempre as ludibriou, vêm em defesa daqueles que falharam, culpando Frankfurt, Bruxelas, Washington e várias figuras e países espalhados pelo mundo, pelos sacrifícios que fazemos.

A consequência mais óbvia deste tipo de pensamento é concluir-se que, saindo a troika, terminado o 'protetorado' poderemos voltar à vida que tínhamos, com as garantias e as regalias que tínhamos. Ora não há maior nem mais perniciosa mentira do que esta.

PS - A propósito de confusões deliberadas ou não. Soares (e outras pessoas) vêm dizer que o Papa Francisco também "apelou" à violência por ter dito que o que disse sobre o capital financeiro, a desigualdade, a exclusão e a violência social que tudo isto gera. Peço desculpa por discordar de tão ilustres iluminados, mas o Papa não pediu a demissão de ninguém e menos ainda recomendou a qualquer político ou dirigente que saísse pelo seu próprio pé, sugerindo que podiam ser corridos à' paulada' dos cargos em que estão. O Papa apelou à consciência de cada um - dos dirigentes e dos que não o são; dos que estão no mundo financeiro e dos que estão no mundo do trabalho. Enfim, de todos, como lhe compete... E alertou para os perigos das crises que geram conflitos e guerras. Acreditar ou confundir isto com a mensagem que passou na Aula Magna é como dar por certo que Soares se converteu aos milagres de Nossa Senhora de Fátima... mas, enfim!
Texto: Henrique Monteiro, Expresso, 29-11-2013
Título: JP
 
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