sábado, 30 de novembro de 2013

Você quer ser feliz?... Então não se foque na felicidade...

Valdemar Habitzreuter

Paradoxo? Talvez. Mas como a vida, como se diz, não é um 'mar de rosas', e sim antes um 'vale de lágrimas', a felicidade parece sempre distante e fugidia. O importante é saber viver com sabedoria neste vale de lágrimas. E só através da razão é que podemos realizar esta façanha. O mundo é racional, como diria Hegel: "tudo que é real é racional, e o que é racional é real". Vivemos situações reais nesta vida onde precisamos ser racionais para avaliar seus conteúdos. Experimentamos momentos bons como também momentos maus e assim a vida se nos apresenta em seu ritmo alternado de múltiplas facetas.

Geralmente nos lamentamos de que a vida não nos sorri com ares de felicidade, como gostaríamos que sorrisse. Na maioria das vezes culpamos algo ou alguém como empecilho a uma vida feliz. Por isso, a realidade tem de ser vivida racionalmente, e somos aptos a isso. A razão nos faz compreender a vida tanto em seus aspectos benéficos como malévolos. E é a partir daí que podemos agir criteriosamente.

Portanto, racionalmente, não faz sentido procurarmos a felicidade, porque, além de não sabermos o que ela é em sua profundidade, ela não se deixa manipular ao bel-prazer como fim último a ser atingido. O ser humano utiliza-se de múltiplos meios que julga conduzir a ela e que, no entanto, ao final, se frustra ao sentir-se no vazio existencial. Pela razão compreendemos que a felicidade, se ela existe, é uma contingência da vida presente segundo nosso modo de agir. A questão primordial, pois, de nossa vida é saber o que nos motiva quando agimos no mundo onde estamos lançados. Devemos viver motivados para alcançar a felicidade? O grande filósofo Immanuel Kant diria que não seria a proposta adequada.

O que importa na vida, antes de ter algum fim em mente, é viver eticamente pelo simples fato de que a vida vale a pena ser vivida quando se pratica o bem. Quando praticamos o bem não importa as conseqüências que daí derivam, se alegrias ou tristezas, o que importa é estar consciente do dever cumprido. Levar uma vida correta não é fácil, exige do ser humano um ininterrupto esforço. Este esforço não visa recompensas, nem mesmo a felicidade. É esforçar-se pelo simples fato de que fazer o bem vale por si só, mesmo que a pessoa tenha que abdicar da felicidade. Chama-se a isso de virtude (virtus = força, virilidade). É a virtude o que importa.

Mas, reagireis: a prática do bem, tem sempre como fim a felicidade do homem. Podemos até concordar com isso, mas o foco primeiro não deve ser a felicidade e sim, o dever pelo dever. Pois vejam bem: nós, seres racionais, só podemos ser moralmente bons - e isto significa relacionar-nos uns com os outros universalizando o bem para todos através do dever - se tivermos em mente a obrigatoriedade espontânea do cumprimento do que é moralmente bom; então, em primeiro lugar, é o dever que se considera e não a felicidade. Se fosse a felicidade, eu poderia muito bem ter muitos subterfúgios em mente para persegui-la, entregando-me, por exemplo, ao egoísmo e excluindo a reciprocidade da obrigação do dever mútuo que deve beneficiar a mim como ao próximo; e se isto não acontecer deixo transparecer a aquisição de uma pseudo felicidade por ser unilateral.

Se a virtude do dever pelo dever tem como conseqüência a felicidade, tanto melhor. Mas, primordialmente, querer o bem a si e aos outros é um dever e não um meio para ser feliz. Quando um estranho esfomeado vier bater à tua porta e te pedir comida e o mandares embora de mãos vazias és moralmente mau, porque desprezastes a consciência da lei moral do dever. Se amanhã ou depois passares por tal situação, não gostarias de ser ajudado? É isto a universalização da lei moral que engloba a todos na humanidade racional com direito à vida digna.

Mas cuidado! Levar uma vida de bem, fazendo boas ações porque se é inclinado naturalmente a isso, sem a consciência do dever moral, não é agir dentro do espírito da lei moral. Se eu tenho esta conduta natural como constituinte do meu caráter - o tipo bonachão -, não posso dizer que sou moralmente bom. O primordial é tomar consciência de que quero ser bom e que amo fazer o bem custe o que custar. Se deres a comida ao esfomeado com naturalidade porque é da tua índole de assim proceder, não podes te considerar moralmente bom, pois falta aí o ingrediente intencional do dever. O dever exige a virtude, ou seja, o esforço. Neste caso, exige-se de ti algo mais do que um simples gesto natural de boa vontade, exige-se a devida consciência do porquê de dares a comida. Esta doação tem de ser objeto de um esforço consciencioso de que é dever dar de comer a quem tem fome e que engloba uma atenção especial a um semelhante necessitado. Você não gostaria de ser tratado com dignidade e atenção neste caso, do que simplesmente vendo ser empurrado à tua frente um prato de comida como sendo a um cachorro?

No entanto, quando estabelecemos este 'dever categórico', do bem agir moralmente, percebemos no fundo que somos frágeis para este intento e somos impelidos, então, a postular um arquétipo de perfeição onde o bem moral se assenta em toda sua plenitude. Temos a ideia, então, de um modelo supremo de perfeição moral para nos espelhar e que melhor sentido nos daria à vida. É uma exigência da razão que postulemos um bem supremo onde possamos nos apoiar para a realização do bem. Entra aí então o sentido da religião onde um bem supremo (Deus) seria a causa legisladora e auxiliadora do nosso bem agir. Projetamos, assim, em Deus as qualidades de um ser perfeito, para, desse modo, balizarmos nossa conduta de vida e perseguir este ideal de perfeição. A felicidade, então sim, pode ser a conseqüência da busca infinita desse ideal de perfeição. A felicidade não seria um fim em si, mas um processo ad infinitum, um infindo caminhar rumo à perfeição, através do dever de agir moralmente em todas as nossas ações.

Esta é uma proposta filosófica de uma religião natural que não contradiz nenhuma religião constituída nem tampouco as verdades reveladas, contanto que sejam analisadas à luz da razão.
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 30-11-2013

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