Paradoxo? Talvez. Mas como a
vida, como se diz, não é um 'mar de rosas', e sim antes um 'vale de lágrimas',
a felicidade parece sempre distante e fugidia. O importante é saber viver com
sabedoria neste vale de lágrimas. E só através da razão é que podemos realizar
esta façanha. O mundo é racional, como diria Hegel: "tudo que é real é
racional, e o que é racional é real". Vivemos situações reais nesta vida
onde precisamos ser racionais para avaliar seus conteúdos. Experimentamos
momentos bons como também momentos maus e assim a vida se nos apresenta em seu
ritmo alternado de múltiplas facetas.
Geralmente nos lamentamos de
que a vida não nos sorri com ares de felicidade, como gostaríamos que sorrisse.
Na maioria das vezes culpamos algo ou alguém como empecilho a uma vida feliz.
Por isso, a realidade tem de ser vivida racionalmente, e somos aptos a isso. A
razão nos faz compreender a vida tanto em seus aspectos benéficos como
malévolos. E é a partir daí que podemos agir criteriosamente.
Portanto, racionalmente, não
faz sentido procurarmos a felicidade, porque, além de não sabermos o que ela é
em sua profundidade, ela não se deixa manipular ao bel-prazer como fim último a
ser atingido. O ser humano utiliza-se de múltiplos meios que julga conduzir a
ela e que, no entanto, ao final, se frustra ao sentir-se no vazio existencial.
Pela razão compreendemos que a felicidade, se ela existe, é uma contingência da
vida presente segundo nosso modo de agir. A questão primordial, pois, de nossa
vida é saber o que nos motiva quando agimos no mundo onde estamos lançados.
Devemos viver motivados para alcançar a felicidade? O grande filósofo Immanuel Kant diria que
não seria a proposta adequada.
O que importa na vida, antes
de ter algum fim em mente, é viver eticamente pelo simples fato de que a vida
vale a pena ser vivida quando se pratica o bem. Quando praticamos o bem não
importa as conseqüências que daí derivam, se alegrias ou tristezas, o que
importa é estar consciente do dever cumprido. Levar uma vida correta não é
fácil, exige do ser humano um ininterrupto esforço. Este esforço não visa
recompensas, nem mesmo a felicidade. É esforçar-se pelo simples fato de que
fazer o bem vale por si só, mesmo que a pessoa tenha que abdicar da felicidade.
Chama-se a isso de virtude (virtus = força, virilidade). É a virtude o que
importa.
Mas, reagireis: a prática do
bem, tem sempre como fim a felicidade do homem. Podemos até concordar com isso,
mas o foco primeiro não deve ser a felicidade e sim, o dever pelo dever. Pois
vejam bem: nós, seres racionais, só podemos ser moralmente bons - e isto
significa relacionar-nos uns com os outros universalizando o bem para todos
através do dever - se tivermos em mente a obrigatoriedade espontânea do
cumprimento do que é moralmente bom; então, em primeiro lugar, é o dever que se
considera e não a felicidade. Se fosse a felicidade, eu poderia muito bem ter
muitos subterfúgios em mente para persegui-la, entregando-me, por exemplo, ao
egoísmo e excluindo a reciprocidade da obrigação do dever mútuo que deve beneficiar
a mim como ao próximo; e se isto não acontecer deixo transparecer a aquisição
de uma pseudo felicidade por ser unilateral.
Se a virtude do dever pelo
dever tem como conseqüência a felicidade, tanto melhor. Mas, primordialmente,
querer o bem a si e aos outros é um dever e não um meio para ser feliz. Quando
um estranho esfomeado vier bater à tua porta e te pedir comida e o mandares
embora de mãos vazias és moralmente mau, porque desprezastes a consciência da
lei moral do dever. Se amanhã ou depois passares por tal situação, não
gostarias de ser ajudado? É isto a universalização da lei moral que engloba a
todos na humanidade racional com direito à vida digna.
Mas cuidado! Levar uma vida de
bem, fazendo boas ações porque se é inclinado naturalmente a isso, sem a
consciência do dever moral, não é agir dentro do espírito da lei moral. Se eu
tenho esta conduta natural como constituinte do meu caráter - o tipo bonachão
-, não posso dizer que sou moralmente bom. O primordial é tomar consciência de
que quero ser bom e que amo fazer o bem custe o que custar. Se deres a comida
ao esfomeado com naturalidade porque é da tua índole de assim proceder, não
podes te considerar moralmente bom, pois falta aí o ingrediente intencional do
dever. O dever exige a virtude, ou seja, o esforço. Neste caso, exige-se de ti
algo mais do que um simples gesto natural de boa vontade, exige-se a devida
consciência do porquê de dares a comida. Esta doação tem de ser objeto de um
esforço consciencioso de que é dever dar de comer a quem tem fome e que engloba
uma atenção especial a um semelhante necessitado. Você não gostaria de ser
tratado com dignidade e atenção neste caso, do que simplesmente vendo ser
empurrado à tua frente um prato de comida como sendo a um cachorro?
No entanto, quando
estabelecemos este 'dever categórico', do bem agir moralmente, percebemos no
fundo que somos frágeis para este intento e somos impelidos, então, a postular
um arquétipo de perfeição onde o bem moral se assenta em toda sua plenitude.
Temos a ideia, então, de um modelo supremo de perfeição moral para nos espelhar
e que melhor sentido nos daria à vida. É uma exigência da razão que postulemos
um bem supremo onde possamos nos apoiar para a realização do bem. Entra aí
então o sentido da religião onde um bem supremo (Deus) seria a causa
legisladora e auxiliadora do nosso bem agir. Projetamos, assim, em Deus as
qualidades de um ser perfeito, para, desse modo, balizarmos nossa conduta de
vida e perseguir este ideal de perfeição. A felicidade, então sim, pode ser a
conseqüência da busca infinita desse ideal de perfeição. A felicidade não seria
um fim em si, mas um processo ad infinitum, um infindo caminhar rumo à
perfeição, através do dever de agir moralmente em todas as nossas ações.
Esta é uma proposta filosófica
de uma religião natural que não contradiz nenhuma religião constituída nem
tampouco as verdades reveladas, contanto que sejam analisadas à luz da razão.
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 30-11-2013
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