A recente decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) que obriga a União a indenizar pesadamente a extinta
companhia Varig, em razão das perdas decorrentes do congelamento das tarifas
aéreas entre 1985 e 1992, dentro do Plano Cruzado, restabelece o princípio de
que contratos são firmados para serem cumpridos e de que os direitos devem ser
preservados seja qual for a "boa intenção" que os ameace.
De acordo com cálculos da
União, o ressarcimento à Varig para compensar os prejuízos causados pelo
Cruzado chega a R$ 3 bilhões. Os advogados da companhia alegam que o valor é
superior a R$ 6 bilhões. A conta final ainda está para ser fechada. A
Advocacia-Geral da União (AGU) vai esperar a publicação do acórdão para
verificar quais são as possibilidades de recurso, mas, ao que tudo indica, elas
são meramente formais.
Por 5 votos a 2, o STF
entendeu que o tabelamento de preços promovido pelo Cruzado foi o responsável
direto pelo colapso da Varig, conforme avaliação de tribunais inferiores. Os
ministros que votaram pela indenização entenderam que a responsabilidade civil
do poder público está clara, pois, graças aos planos econômicos, houve quebra
do equilíbrio econômico-financeiro da relação contratual - isto é, o Estado, ao
impedir o reajuste das passagens, interferiu decisivamente na capacidade do
fornecedor de entregar o serviço público contratado. Em seu artigo 37, inciso
XXI, a Constituição manda que esse equilíbrio entre a prestação do serviço e o
pagamento por ele respeite o previsto no contrato e seja preservado durante
toda a sua duração.
A AGU alegou que o governo
exerceu "legitimamente uma de suas funções típicas, de regular o serviço
público em prol de toda a coletividade". No entanto, ainda que revestido
de legalidade, um ato de governo como o congelamento de preços implica
consequências econômicas que deveriam ser assumidas pela administração, na
forma de compensação às concessionárias afetadas. Em sua defesa, a Varig alegou
justamente que seu patrimônio se esvaiu em razão do tabelamento das passagens
aéreas e que tinha, portanto, de ser ressarcida. Outras empresas aéreas
entraram na Justiça com argumento semelhante - em 1998, a Transbrasil foi
indenizada em cerca de R$ 1,3 bilhão.
Não é o caso de entrar no
mérito dos argumentos sobre um eventual exagero do valor da indenização à
Varig, ou mesmo, como lembraram os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes em
seus votos favoráveis à União, sobre o fato de que a Varig detinha o monopólio
dos voos para o exterior, cujas tarifas não eram controladas pelo governo -
razão pela qual, segundo esse raciocínio, a empresa teria falido por causa de
má gestão, e não dos efeitos dos planos econômicos. A questão central, que não
se pode perder de vista, é que havia normas e direitos em contratos de
concessão pública que foram atropelados pelas autoridades em nome da
estabilização da economia.
Considerando-se que cerca de
1.000 ex-funcionários da Varig já morreram sem receber o que lhes era de
direito, em razão da longa tramitação do processo, é possível ter a dimensão do
problema. Ao menos 10 mil ex-empregados aguardam o pagamento da indenização à
Varig para cobrar sua parte.
Não é a primeira vez, e
certamente não será a última, que governantes movidos a "boas
intenções" causam prejuízos a empresas, contribuintes e aos próprios
cofres públicos - como, aliás, provam abundantemente as atuais agruras do setor
elétrico. Planos econômicos mirabolantes e medidas administrativas executadas
sem o devido amparo jurídico - o que denota desapreço pelas leis - muitas vezes
viraram o País de cabeça para baixo, deixando em seu caminho um rastro de
cidadãos prejudicados. Cedo ou tarde, essas aventuras são questionadas nos
tribunais, quase sempre com ganho de causa para os lesados, restando ao poder
público a procrastinação - como acontece com o vergonhoso caso dos precatórios,
em que os credores do Estado literalmente morrem na fila à espera da
indenização.
Título e Texto: O Estado de S. Paulo, 17-03-2014
Parabéns pela clareza e objetividade de seus comentários!
ResponderExcluirAbç.
Excelente artigo.
ResponderExcluirPois é. Agora, quero ver o dindin...
ResponderExcluirAgora, que passem o dindin a quem é devido...
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