Prezado leitor, espero
encontrá-lo antes da quinta cerveja neste feriado carnavalesco. O tema é
importante e preciso de sua atenção. Depois da leitura você pode voltar a focar
nos desfiles. Talvez até precise, para relaxar um pouco...
O que tenho a dizer de tão
sério? Não, eu não pretendo falar da conjuntura, do crescimento medíocre, da
inflação alta, do risco de o PT transformar o Brasil em uma nova Venezuela, ou
algo do tipo. Seria depressivo demais para a ocasião. Vou falar de algo mais
estrutural, de uma tendência mundial que vem destruindo importantes valores
ocidentais nas últimas décadas.
Falo da vitimização das
“minorias”, que atende aos interesses de grupos organizados e atenta contra a
justiça. Tudo que acontece deve passar pelo filtro ideológico dessa turma, para
que possa pintar o homem branco judeu ou cristão como o maior vilão que a
humanidade já teve.
Como poderíamos explicar o
ensurdecedor silêncio do movimento gay em relação às novas leis na Uganda, que
tornam a homossexualidade crime grave? A África é o continente mais homofóbico
do mundo, mas não merece uma palavra de repúdio de Jean Wyllys?
A triste verdade é que
condenar os africanos pela homofobia não ajuda na narrativa de minorias vítimas
do “imperialista” branco do Ocidente. Há inclusive o risco de choque entre
minorias: os racialistas poderiam alegar racismo contra qualquer crítica
direcionada à África.
Os impasses das “minorias” não
param por aí. A feminista, por exemplo, deve se colocar do lado da “minoria”
islâmica contra o Ocidente, ou do lado das mulheres marginalizadas em várias
culturas islâmicas? Os negros devem apoiar os regimes africanos ou condenar a
escravidão vigente ainda hoje no continente, sem participação alguma de
brancos?
Os ambientalistas, que
encontraram no ecoterrorismo uma forma nova de condenar o capitalismo, devem
aplaudir regimes socialistas, que sempre poluíram muito mais em termos
relativos ao que é produzido?
São dilemas que tirariam o
sono dos “coletivistas do bem”, caso tivessem consciência para ficar pesada. A
menor minoria de todas é o indivíduo. Por isso, os liberais colocam a ênfase
nele, independentemente de “raça”, credo, gênero ou inclinação sexual. Mas isso
incomoda todo tipo de coletivista que fala em nome de alguma “minoria”
qualquer.
O ministro da Ética e da
Integração de Uganda perguntou: “Eles ficariam confortáveis se fossemos para os
Estados Unidos e começássemos a praticar a poligamia? A homossexualidade é
estranha para nós e a poligamia é estranha para vocês. Temos visões
divergentes.”
Como um típico
multiculturalista responderia a isso? Esse não é exatamente o tipo de discurso
que os multiculturalistas usam para defender atrocidades em culturas
diferentes, tais como a mutilação genital feminina dos muçulmanos e o
infanticídio indígena, e negar qualquer superioridade ocidental?
As feministas cospem no
Ocidente, que seria machista, e ignoram as culturas em que as mulheres
realmente são cidadãs de segunda classe. Os ativistas gays cospem no Ocidente,
que seria homofóbico, e ignoram as culturas em que os gays chegam a morrer por
sua “preferência” sexual. Os militantes negros cospem no Ocidente, que seria
racista, e ignoram as culturas em que os negros vivem ainda como escravos de
outros negros.
Qual a lógica disso? Como sair
desse impasse? Defender o multiculturalismo ou condenar o atraso africano em
relação aos gays? Defender o multiculturalismo ou condenar o atraso islâmico em
relação às mulheres? Defender o multiculturalismo ou condenar o atraso africano
em relação à democracia? É tudo culpa dos homens brancos ocidentais?
Onde, senão no próprio
Ocidente, as mulheres, os gays, os negros e os ateus encontram ampla liberdade?
Mas a realidade não serve à causa da vitimização das “minorias” no próprio
Ocidente. Por isso costuma ser tão ignorada.
Vejam, como último exemplo, o
caso do ator negro Vinicius Romão, que foi preso injustamente ao ser confundido
com o ladrão pela própria vítima do assalto. Logo os oportunistas de plantão
apontaram o dedo: racismo! Mas ele mesmo já rejeitou essa análise. Para
desespero dos militantes, tratou-se de uma infeliz confusão.
O perfil do bandido era
parecido com o seu, ou seja, a copeira roubada, cuja cor a imprensa nunca
mostra (por que será?), simplesmente se enganou. Nada a ver com racismo.
Não importa. Basta encaixar na
narrativa das “minorias” exploradas pelo homem branco malvado. O resto é
detalhe. Quem liga para os fatos? É tudo pela narrativa...
E agora pode voltar para sua
folia. Bom carnaval!
Título e Texto: Rodrigo Constantino, O Globo,
04-03-2014
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