Lucy Pepper
As bostas de cão nas ruas de
Lisboa sugerem que campanhas destinadas a envergonhar as pessoas por causa do
seu comportamento não funcionam em Portugal.
É tão chato termos de andar
nas ruas de Lisboa sempre com um olho no chão, a ver se evitamos as bostas de
cão.
Não sou de enjoos. Não desmaio
só por topar com uma bosta gigante de cão no meio do passeio. Dito isto, não a
quero pisar e passar a meia hora seguinte a tentar raspar os restos da sola do
meu sapato. OK, num dia em que não tivesse mais nada para fazer, até podia ser
uma meia hora divertida, mas parece-me que quase sempre aquela meia hora pode
ser passada a raspar algo mais útil de algo diferente.
Não quero pisar em bostas, nem
reparar em que as pisei demasiado tarde, já depois de conspurcar o escritório,
a casa ou o carro. Ninguém quer ser a pessoa que traz caca de cão para dentro
de casa ou para junto dos colegas e amigos. É impressionante como uma caca de
rua pode proporcionar tanta caca espalhada. Uma só bosta de um só cão tem a
capacidade de contaminar áreas enormes.
O que eu gostaria de fazer
quando ando nas ruas de Lisboa era poder olhar em frente e para cima (isso é,
acima da linha dos graffiti), e admirar o modo como a sua grandeza está
justaposta com a sua bela decadência, e contemplar este céu tão especial que dá
uma cor específica à cidade neste dia.
Mas não posso, porque tenho de
olhar para baixo, para o passeio, porque é preciso evitar as pedras soltas e
dançar por entre as merdas de cão espalhadas na calçada.
A bosta de cão vem em todos os
formatos e chega a todos os lados. Há as caganitas dos cãezinhos, e há os
grandes troncos depositados por cães misteriosos, cães que devem ser do tamanho
de Godzilla. Há os cócós secos e duros do verão e há as poças castanhas depois
da chuva, no inverno. A merda de cão fica barrada nas pedras brancas e
brilhantes da calçada e enche o espaço entre elas, sobretudo depois de ser
pisada e esmagada no chão por pés involuntários. Se faz sol, o sol seca-a, e a
merda enterra-se permanentemente nas fissuras da calçada, como uma argamassa
natural e castanha.
É irritante e, como os
graffitis maus, destrói muito do charme de Lisboa. Mas mais que irritante, é
mistificante.
Se Portugal fosse uma nação de
gente repugnante, que não ligasse nada à limpeza, a merda de cão espalhada por
todo o lado não seria um mistério. Mas os portugueses são das pessoas mais
obcecadas do mundo em termos de limpeza e aparências (as suas e as dos outros).
Sempre auto-conscientes e sempre críticos, tacitamente, do aspecto e odor de
outras pessoas e outras coisas. Ao longo de todos estes anos no país, não me
lembro de visitar uma casa que não estivesse limpa, nem de entrar num carro que
andasse tão desarrumado como o meu. Desfrutem do facto de eu não poder dizer a
mesma coisa da minha terra.
Por isso, esta coisa da merda
canina é mesmo intrigante. Deixar o seu cão aliviar-se no meio da rua e passar
à frente sem fazer nada é, em Portugal, uma atitude ainda perfeitamente normal.
É raro ver alguém com a boa vontade suficiente para trazer de casa um saquinho
de plástico a fim de pegar na bosta. Pô-la num saco e metê-la no bolso é
bastante horrível, mas num dia frio até pode aquecer as mãos durante um par de
minutos — ou, claro, tem o recurso do caixote de lixo. Todas as ruas e todos os
jardins têm caixotes de lixo. Além disso, há ainda donos que simplesmente
mandam os cães fora, sozinhos, para defecar, de modo que eles, os donos, no
momento da defecação, possam manter a consciência muito limpa.
É estranho que campanhas
destinadas a envergonhar as pessoas por causa do seu comportamento não
funcionem em Portugal. Os problemas da merda de cão, do lixo na rua ou da
condução alcoolizada foram reduzidos na Grã-Bretanha desde os anos 80 por meio
de campanhas de publicidade destinadas a humilhar e vexar os responsáveis. Os
fornecedores de cocó de cão, os que deitam lixo no chão ou os condutores
bêbedos tornaram-se párias sociais. A boa gente foi toda injectada com uma
grande dose de culpa, de estilo católico, sobre as suas eventuais
transgressões. Há sempre um zelador do comportamento alheio, muito convencido e
santarrão, pronto para gritar na rua com quem deitou lixo no chão ou não pegou
no cócó do cão … A perspetiva do embaraço é suficiente para a maior parte das
pessoas se portarem bem.
Mas em Portugal, em Lisboa,
muitas vezes parece que ninguém liga muito ao que está espalhado nas ruas.
traduzido do inglês pela
autora)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-