Vivendo em uma espécie de universo
paralelo, muitos servidores públicos parecem não entender que os recursos que
bancam a máquina estatal não brotam da terra
O Estado de S. Paulo
Já era esperada a reação dos
sindicatos de servidores públicos federais à medida provisória editada pelo
governo que adia o reajuste salarial do funcionalismo de 2018 para 2019 e eleva
a contribuição previdenciária da categoria, de 11% para 14%, para quem ganha
acima de R$ 5 mil. O anúncio de que haverá greves e protestos, além de ações
judiciais contra a medida, condiz com o comportamento de quem não pretende
abrir mão de nenhum de seus privilégios em relação aos trabalhadores do setor
privado, nem mesmo diante da evidente asfixia do Orçamento federal.
Vivendo em uma espécie de
universo paralelo, muitos servidores públicos parecem não entender que os
recursos que bancam o funcionamento da máquina estatal não brotam da terra, por
geração espontânea, e sim resultam de impostos e contribuições pagos pelos
brasileiros, que, em contrapartida, são maltratados pela burocracia e pela
precariedade do serviço que ajudam a financiar.
Como se o dinheiro destinado
ao funcionalismo fosse farto ou mesmo infinito, avolumam-se reivindicações das
mais variadas espécies, em geral divorciadas da realidade. Há exemplos que
ultrapassam a barreira do patético, como o da ministra dos Direitos Humanos,
Luislinda Valois, que recentemente pleiteou o direito de receber acima do teto
salarial do funcionalismo público, de R$ 33,7 mil, pois sua situação atual,
“sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo”. Desembargadora
aposentada, que aufere todo santo mês R$ 30.471,10, Luislinda Valois quer
receber também o salário integral de ministra, de R$ 33,7 mil, e não os R$ 3,3
mil que ganha em razão do teto salarial.
A ministra e muitos de seus
colegas de serviço público – particularmente no Judiciário, de onde ela é
oriunda – não se mostram preocupados com a situação do País, como se não lhes
dissesse respeito e como se uma parte considerável do buraco nas contas
públicas não tivesse sido criada justamente pela imensa generosidade do Estado
para com seus funcionários, ignorando os limites da lei. Se alguém ainda tem
alguma dúvida sobre os estragos causados por essa conduta, basta observar a
falência de vários Estados, particularmente o Rio de Janeiro, cujo governo se
entregou durante anos à mais desbragada demagogia ao beneficiar seus
funcionários com reajustes salariais irreais, que agora, é claro, não consegue
honrar.
Tem-se, portanto, uma situação
em que as exigências de servidores indiferentes ao estado das contas públicas
encontram políticos e autoridades sem disposição para enfrentá-los. Ao
contrário: em muitos casos, o que se tem é o casamento perfeito entre um
funcionalismo muito bem articulado em torno de seus interesses privados e
dirigentes interessados em ter o apoio desses servidores para controlar a
máquina pública. É a união da fome com a vontade de comer, ao arrepio da Lei de
Responsabilidade Fiscal.
“Não tem como, não cabe na
conta do Orçamento”, disse o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, a
respeito dos reajustes agora suspensos e da necessidade de cobrar uma alíquota
previdenciária mais alta dos funcionários federais. Para o ministro, “as
categorias deveriam levar em consideração esses fatores, a situação do País, a
quantidade de desempregados”.
Mas é evidente que isso seria
pedir demais. Embora “a média de salário dessa turma seja de R$ 13 mil por
mês”, como afirmou Dyogo Oliveira – que lembrou ainda que a União concedeu
reajuste de 6% em média para esses funcionários neste ano, contra uma inflação
de 2,5% no período –, os sindicalistas prometem “partir para cima”, como
anunciou o presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de
Estado, Rudinei Marques.
O grande trunfo dos
sindicalistas é, como sempre, a indisposição de parte da base aliada no
Congresso de trabalhar em favor dos interesses gerais do País, o que a
obrigaria a encarar o barulhento lobby dos servidores. “O momento não aconselha
decidir sobre matérias desse nível”, avisou o líder do PR na Câmara, José Rocha
(BA). Se o momento não é este, qual seria?
Título e Texto: Editorial, Estado de S. Paulo, 5-10-2017
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