Rodrigo Constantino
A euforia da oposição durou
pouco, menos de um dia. Subiram a hashtag perguntando quem estava na casa 58,
insinuaram que Bolsonaro era mesmo o mandante do assassinato da vereadora
socialista Marielle Franco, e comemoraram a reportagem do Jornal Nacional como
uma bomba que explodira no colo do presidente.
Em menos de 24 horas tudo se
inverteu. O que era bastante inverossímil desde o começo se mostrou mesmo uma
farsa, uma grande mentira. O porteiro mentiu. Faltava lógica para a história,
faltava motivo, faltava evidência. Ainda assim o JN decidiu ir adiante com a
reportagem, o que pode ser compreensível pelo desejo do "furo", ainda
mais envolvendo um presidente e uma morte que gerou muita comoção - em boa
parte estimulada pela própria Globo.
Mas era melhor ter optado pela
maior prudência. Um dia a mais de espera poderia até ter colocado em risco o
"furo" exclusivo, mas seria suficiente para desmontar a narrativa do
porteiro. E teria evitado muito desgaste, muito barulho, muita fúria. Diante do
potencial estrago de uma notícia dessas, a cautela extra era recomendável.
Talvez o viés ideológico tenha falado mais alto.
Nos Estados Unidos foi a mesma
coisa com Trump, desde o começo. A mídia mainstream, com extrema má
vontade, busca bombas contra o presidente republicano desde o primeiro dia de
mandato. No suposto conluio com os russos, encontrou um fio a ser seguido que
poderia levar ao impeachment até. Investiu pesado nisso, por dois longos anos.
Até o relatório final de uma ampla investigação render absolutamente nada. A
credibilidade da imprensa já estava chamuscada, e faltou um pedido de
desculpas.
O JN dedicou um bloco inteiro
ao tema Marielle nesta quarta. O jornal estava na defensiva, tentando reverter
o erro. Ou seja, sentiu o golpe. Era melhor admitir que foi, no mínimo,
apressada. Ou irresponsável mesmo. É verdade que a primeira reportagem mostrou
que Bolsonaro não se encontrava no Rio, não poderia ter atendido o porteiro.
Mas era óbvio que o conjunto em si seria suficiente para causar rebuliço e
deixar os opositores assanhados, como de fato aconteceu. O JN tinha obrigação
de saber disso.
Bolsonaro sai fortalecido
dessa história toda. Brasileiro adora uma vítima, e o presidente foi visto como
alvo de uma perseguição política, de uma armação. Mesmo sua reação
"descontrolada" foi vista como genuína, um desabafo legítimo de quem
foi atacado em sua honra de forma caluniosa. Sua militância mais radical ficou
em polvorosa, pregando guerra aberta contra a mídia, com alguns defendendo até
o método chavista de não renovar a licença da Globo. Já os moderados, mesmo aqueles
que vinham criticando bastante o governo, tomaram o lado do presidente, pois
viram o oportunismo da esquerda diante do caso.
Carlos Bolsonaro também sai
fortalecido dentro do bolsonarismo, por ter sido aquele que provou a mentira do
porteiro em primeira mão. Ele chegou a escrever: "Sou seu soldado há quase
20 anos e isso não vai mudar, independentemente do que vier. Estou
preparado!". Carlos comanda a rede social do pai, e é o responsável por
ataques constantes e agressivos contra desafetos.
O efeito da reportagem,
portanto, foi como um bumerangue: se a intenção era enfraquecer Bolsonaro, o
resultado acaba sendo o oposto, e ajudou justamente a ala mais extremista do
bolsonarismo, que encontrou pretextos para sua guerra declarada contra a
imprensa em geral.
É um fenômeno similar ao que
se observa nos Estados Unidos. Trump avança em sua retórica contra a mídia, que
seria uma fábrica de Fake News, e o público vai ao delírio, pois a
credibilidade da imprensa anda mesmo em baixa.
O discurso contra o jornalismo
é perigoso, e nenhum governante aprecia a liberdade de imprensa. O apresentador
William Bonner leu nota da TV Globo ontem, alfinetando o presidente por ele não
compreender o papel do jornalismo sério. É em parte verdade, e basta ver quem
os bolsonaristas consideram "mídia independente": aqueles sites
bajuladores e subservientes ao governo.
Mas caberia também uma
autocrítica da mídia, uma reflexão acerca de seu viés, pois o público não é
bobo e percebe essa pré-disposição a ser menos cauteloso na hora de atacar a
direita. Talvez um Lula merecesse o benefício da dúvida e ganhasse um dia a
mais de verificações. Provavelmente uma Marina Silva teria esse privilégio. Em
se tratando de Bolsonaro, a fome se juntou com a vontade de comer, e se ignorou
que o apressado come cru.
Como nos desenhos do
papa-léguas dos meus tempos de criança, o coiote "esperto" acendeu a
bomba para jogar em cima do fujão, só para vê-la explodir em cima dele mesmo.
Esse tipo de coisa ajuda a ala mais radical do bolsonarismo. O viés da mídia é
o melhor cabo eleitoral de Bolsonaro.
Título, Imagem e Texto: Rodrigo
Constantino, Gazeta do Povo, 31-10-2019, 9h27
Economista pela PUC com MBA de
Finanças pelo IBMEC, trabalhou por vários anos no mercado financeiro. É autor
de vários livros, entre eles o best-seller “Esquerda Caviar” e a coletânea
“Contra a maré vermelha”. Contribuiu para veículos como Veja.com, jornal O
Globo e Gazeta do Povo. Preside o Conselho Deliberativo do Instituto Liberal.
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