Mathias von Gersdorff
O Sínodo da
Amazônia causa irritações e perplexidades não consideráveis entre os católicos.
A razão para tal foi primeiramente o estilo do documento de trabalho (Instrumentum
laboris), mais parecido com um panfleto dos Verdes e que mostra nítidas
simpatias pelos hábitos (pagãos) dos povos indígenas na região amazônica.
O desagrado aumentou depois do
anúncio dos nomes dos participantes do Sínodo. Encontram-se entre eles os
representantes mais radicais das teologias da libertação, ecológica e indígena.
Essas orientações teológicas defendem um caminho completamente novo para a
Igreja Católica e um abandono drástico da tradição e do magistério eclesiástico.
E vão aparecendo, um após outro, relatos de práticas pagãs em função do Sínodo
ora em curso e de declarações heterodoxas na sala sinodal.
Como se chegou a esta
situação? O que está acontecendo em certos setores da Igreja Católica?
Em seu livro Sete
Papas (2015), o teólogo Hans Küng [foto acima] descreve o que
considera como o mal fundamental da Igreja Católica: a constituição no Vaticano
de um aparato eficiente e ágil sob o pontificado de Inocêncio III (Papa de 1198
a 1216), ou seja, a Cúria Romana.
Todos os progressistas são
praticamente unânimes em afirmar que naquela época a Igreja Católica tornou-se
mais ou menos (existem matizes consideráveis) um aparato que sufoca o espírito.
Desde então, na Igreja, a Fé direta e irrestrita não estaria mais no ponto
central, mas sim o direito canônico, os documentos magisteriais, a pretensão de
poder do Papa e a administração eclesial.
Essa caricatura só pode surgir
na mente daqueles que não veem a Igreja como uma instituição sobrenatural, cuja
vida é governada pela graça divina. Daí pode-se facilmente chegar à conclusão
de que a vida real existente na Igreja poderia ter tomado também um rumo
completamente diferente, como se afinal de contas Deus não dirigisse a
História.
O progressismo hodierno deseja
no fundo corrigir a história da Igreja. Isso se dá por meio de duas vias: a
europeia e a sul-americana.
A visão européia
(progressista) do cardeal Marx & Cia.
É bem conhecido o que almeja o
catolicismo reformista europeu: a adaptação da Igreja ao espírito do tempo, ao
qual os progressistas atribuem autoridade até mesmo para interpretar como a
vida e a fé deveriam existir na Igreja. Por isso as teses do espírito do tempo
são adotadas de bom grado: a Igreja deve ser democrática, a moral sexual deve
pautar-se pelas concepções do mundo, o feminismo deve determinar as estruturas
da Igreja e o ecologismo sua ideia marcante.
A tradição, a história da
Igreja, o magistério eclesiástico, os dogmas e a piedade popular são
considerados um lastro desnecessário. Pelo contrário, a Igreja deveria estar
constantemente se reinventando nos campos litúrgico, religioso e
moral-teológico.
A visão latino-americana
(baseada na teologia da libertação) do cardeal Humes & Cia.
Na América do Sul, o
progressismo tomou uma via diferente por estar fortemente influenciado pelo
marxismo. A assim chamada “teologia da libertação” é a adoção do método da luta
de classes na Igreja Católica. A teologia da libertação defendia a necessidade
de uma luta de classes dos pobres contra os ricos, à maneira do marxismo
clássico.
Como a fé católica não conhece
“classes”, a teologia da libertação foi condenada pelo Vaticano (p. ex., pela
Instrução Libertatis nuntius, da Congregação da Doutrina da Fé, em
1984). Mas sobreviveu na cabeça de muitos teólogos e passou por uma metamorfose
surpreendente, dando origem à “teologia feminista”, à “teologia ecológica” e à
“teologia indígena”.
Na base de todas essas
teologias encontra-se a tese fundamental de que uma classe dominante oprime a
grande maioria das pessoas.
Numa perspectiva
cultural-revolucionária, a “teologia indígena” é a mais radical: de acordo com
ela, a colonização e a evangelização da América Latina constituíram um ato de
opressão. A primeira teria imposto aos nativos uma visão europeia de mundo; a
segunda, destruído hábitos religiosos legítimos.
Dessa maneira, os povos
primitivos vivem cultural e religiosamente oprimidos há 500 anos.
Uma versão europeia desta tese
alegaria (como o ideólogo nazista Rosenberg também o defendeu) que os germanos
teriam sido despojados de sua ligação com a natureza e de seu culto à “Mãe
Terra” e a outras divindades.
Qual é o elo entre o progressismo
europeu e o latino-americano?
Embora o progressismo europeu
e o latino-americano sejam aparentemente muito diferentes, eles estão
intimamente relacionados: ambos rejeitam a tradição e o magistério; ambos são
da opinião de que a fé deve se desenvolver completamente livre e não precisa de
Cúria, nem de Direito Canônico, de Dicastérios e da Hierarquia.
O que pensa a maioria
dos bispos?
As correntes acima descritas
são radicais, mas não formam uma maioria. A maioria dos bispos tenta viver em
equidistância face à tradição e à adaptação ao mundo. Mas, devido à crise geral
da Igreja (casos de abuso sexual, crise vocacional, número cada vez menor de
fiéis etc.), essa maioria é muito fraca e pálida. Donde ser muito forte hoje em
dia a influência dos progressistas — e também a dos progressistas radicais.
Eles se apresentam como munidos de grande autoridade e quase ninguém ousa
contradizê-los.
O que há de novo na
situação atual: a coesão está rompida
Ora, poder-se-ia dizer que
essa formação de correntes ou partidos tem sido muito marcante desde o Concílio
Vaticano II. Alguns querem mudar tudo; outros não aceitam qualquer mudança;
outros ainda desejam um retorno à época de Pio XII.
A novidade hoje em dia é que
os diferentes setores da Igreja vivem como ilhas isoladas. A coesão, que ainda
havia na época de figuras como o cardeal Lehmann, não existe mais. Cada grupo
vive, por assim dizer, sozinho.
Isso tem como resultado que os
porta-vozes radicais que não levam em consideração o Magistério e a Tradição
vão se radicalizando ainda mais e agindo de modo cada vez mais aberto.
Está desaparecendo o consenso
sobre o que é católico e o que não é. Nada mais vincula. As forças centrífugas
crescem. Entrementes fala-se abertamente de possíveis cismas, o que seria
impensável alguns anos atrás.
Perspectivas
O simples fato de alguns
bispos estarem pensando em voz alta sobre o sacerdócio de mulheres, como Dom
Peter Kohlgraf, bispo de Mainz, mostra que a situação é extremamente crítica.
Na América Latina o
progressismo faz exigências como, por exemplo, um pedido de desculpas da Igreja
pela evangelização dos índios. Estes teriam sido diretamente “batizados” por
Deus e viveriam num estado paradisíaco. O Ocidente teria destruído tudo isso e
Jesus Cristo não seria mais um Salvador necessário.
Aqui não se trata “apenas” de
heresias, mas de apostasia aberta, de um afastamento completo do Cristianismo.
Qual é o resultado: O progressismo
parece ter feito do Sínodo da Amazônia um jogo de risco. Ou seja, “tudo ou
nada”. Há muitas indicações de que os progressistas querem finalmente criar
fatos, custe o que custar.
Isso se aplica tanto a
latino-americanos quanto a europeus.
O que devem fazer os
católicos fiéis ao Magistério?
A Igreja se move em alta
velocidade para a anarquia.
Em primeiro lugar, em
semelhante situação, o fiel católico deve cuidar para que sua fé se torne
robusta em face da tormenta, através da oração, dos sacramentos, do
aprofundamento das verdades católicas.
Através da piedosa e atenta
recitação do Credo!
Em segundo lugar, ele precisa
também resoluta e vigorosamente declarar sua fidelidade à Igreja Católica e
aderir firmemente à sua crença na indestrutibilidade da Igreja, prometida por
Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Mt 16, 18 e ss.).
Título e Texto: Mathias von
Gersdorff; Tradução do original alemão: Renato Murta de Vasconcelos.
ABIM,
25-10-2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-