Aparecido Raimundo de Souza
Na senda
“Feminina,” o quadro se faz estorvantemente idêntico. Mulheres jovens e velhas,
seguem em igual diapasão. Se fazem envolvas num comum corriqueiro e traiçoeiro.
Cada uma desenvolve a sua carga de erros e desesperos, desacertos e angustias. Vegetam os dias que se alongam como se
estivessem sob o comando de uma perpetuidade inacabável. No geral, sem tirar
nem pôr, todos os enclausurados compartilham o igual espaço restrito, qual
seja; o da degradante atmosfera do agrilhoamento; separados apenas por enormes
paredes frias e anojosas; entrelaçadas a muros altos de semblantes fechados;
distribuídos por sisudos corredores longos e obumbrados; onde a liberdade não
vai além de uma quimera. Apenas uma lembrança aquém, afastada, insulada e
terrificantemente inexistente. Mesmo norte, as grades grossas e frias, caladas
e atônitas, como sentinelas bárbaras e implacáveis, separam o mundo exterior do
interior sombrio e brutesco. Como o “joio do trigo.” Como a “água e o azeite.”
Os olhos de pálpebras cansados e aleijados dos detentos e cativos, buscam
brechas e rasgões nas malhas e teias dos ferros fundidos, ansiando por um
vislumbre de um céu de cores alegres, ou, ao menos, de um sopro benfazejo de
uma lufada de ar fresco vindo de fora dessas masmorras.
As sombras densas e apinhadas de uma espécie maligna de doença incurável passam a impressão de guarnecerem o complexo prisional de canto a canto, onde vidas esquecidas ao deus dará se juntam como seus únicos companheiros. Nas celas, a coisa fica ainda um pouco pior. O tempo se mostra inexorável. Se perpetua num paradoxo. De contrapeso, arrasta consigo as horas numa desinquietação preguiçosa, como se tivesse perdido o ânimo e a vontade de avançar e tentar chegar à algum lugar. Cada dia que surge é uma repetição monótona da mesma coisa, do mesmo quadro: refeições insípidas, olhares vazios, moléstias criando novos personagens e a contagem dos minutos que se projetam e se arrastam numa vagarosidade demolida e abodegada. Por falar em minutos, o relógio pendurado na parede que acessa as celas parece zombar dos que ali abstergem pontilhando um clima desesperançado que, em verdade, não pertence a ninguém. As histórias, como crônicas de livros desgastados, seguem idênticas. Se amordaçam nas paredes e umbrais descascados.
Numa das
celas, um homem em idade avançada, quase aos noventa, foi condenado por um
crime hediondo que não cometeu. Seu coração, quase à beira de um colapso,
sussurra a sua inocência aos berros. Ninguém o escuta. Apenas as baratas e uma
legião de formigas rastejam pelo chão. Sem falar nos ratos. Do outro lado do
paredão, uma jovem mãe, aos vinte e dois, com os olhos fundos de insônia,
embala um filho imaginário nos braços, cantando canções de ninar que ele nunca
ouvirá. Há um silêncio sepulcral e arrepiante, pesado e degradante. Uma
pasmaceira incomensurável que pesa como uma sentença ditada por um juiz algoz.
Os uivos das dores e desesperos são abafados pelas paredes, apesar delas
ecoarem nas almas sem brilho dos encarcerados como um punhal desferido por fantasmas
iracundos. Os cativos se perguntam se algum dia serão libertados. Se verão o
mar; se voltarão às ruas e avenidas entupidas de pessoas, ou se sentirão
novamente à terra; à grama sob os pés; ou o vento forte acariciando os suores
de seus rostos.
O sistema
prisional, como uma máquina implacável, gira as suas engrenagens sem piedade. O
sistema prisional é uma decadência. Os carcereiros, os rostos endurecidos pela
rotina, cumprem seus deveres sem questionamentos. São, ratos de esgoto. Fazem
parte de uma gangue de paus mandados. Entre as grades, a humanidade que nela
vegeta, persiste. Cartas escritas à luz fraca das lâmpadas, olhares furtivos
trocados nos corredores, gestos de solidariedade se propagam, e, às vezes,
transcendem as divisões. Mesmo destino, entre mortos e feridos, no limiar entre
a Esperança e o Desespero, entre os coléricos e os sem Deus no Coração, uma
massa enorme de cafajestes e manipuladores enfrentam o “cada dia.” O tempo,
mesmo o aprisionado, segue tecendo as suas teias invisíveis, unindo destinos
tão insignificantes quanto distintos. Entre mortos e feridos, queira o Pai
Maior, talvez, em algum momento, conceda que uma fresta de luz penetre nas
celas, lembrando os que ali esperam no Senhor, que a liberdade, por mais
distante que pareça, ainda possa ser EFETIVAMENTE POSSÍVEL.
Título e
Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Santa Rita do Passa Quatro,
interior de São Paulo, 2-4-2024
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