quarta-feira, 11 de setembro de 2024

O realismo nas Relações Internacionais e teses em confronto

M. Jorge C. Castela

Num texto publicado no ARKTOS JOURNAL, em 26 de novembro de 2023, Alexandr Dugin [imagem], refletindo sobre o “Realismo nas Relações Internacionais”, ao alicerçar a sua posição nesta cadente matéria, discute o mundo multipolar emergente (com um polo “euroasiático”, centrado na Rússia), destacando os caminhos ideológicos e civilizacionais distintivos de várias regiões globais em oposição ao paradigma unipolar, com polo “euroatlantista”, ocidental, centrado nos EUA. 

Classicamente, nas teses “realistas” prevalece um entendimento de que a natureza humana é intrinsecamente equivocada ou com defeitos congênitos (na linha do legado pessimista antropológico de Hobbes, e com eco nas noções cristãs da “queda em desgraça” – lapsus em latim, “flawed” no léxico anglo-saxônico), que não é susceptível, no seu essencial, de ser corrigida, porquanto, atenta a natureza egoísta, predatória e violenta que as condutas humanas podem revestir, são inerradicáveis.

A partir daí, com cobertura nestas teses, conclui-se que somente um Estado forte pode restringir e organizar os humanos (que, segundo Hobbes, “são lobos uns para os outros”) – um estado inevitável, como titular de um poder que projeta tal natureza predatória e egoísta dos seus súditos, com interesses próprios e com uma vontade de violência e a ganância que tornam a guerra sempre possível.

Para os filósofos que se filiam nestas teses “realistas”, as relações internacionais, em conformidade, basear-se-iam na criação de equilíbrios de poder entre entidades plenamente soberanas.

Não poderia existir uma “ordem mundial de longo prazo”, apenas subsistiria o “caos”, que mudaria à medida que alguns estados enfraquecem e outros se fortalecem. “Caos” que, nesta teoria, não seria uma expressão com uma carga necessariamente negativa, apenas uma declaração sobre uma determinada situação factual, associada ao conceito de Soberania.

A existirem vários Estados verdadeiramente “soberanos”, nenhuma “ordem supranacional poderia ser estabelecida e à qual todos obedeceriam. A existir tal “ordem”, a “soberania” nunca seria plena, o que, em termos práticos, não existiria, de facto, e a própria entidade supranacional seria o único “soberano”.

Uma Tese Globalista que, fundada nesta escola, foi desenvolvida nos EUA, desde os trabalhos sobre a matéria, de que foram protagonistas autores norte-americanos, como seus fundadores Hans Morgenthau e George Kennan, mas também o britânico Edward Carr, que, todavia, foi conhecendo desvios nos campos que navegam em torno do “liberal progressivism”.

Para estes globalistas, progressistas, prevalecem as noções do ser humano como uma “tábua rasa” (blank slate), de “pacifismo” (decorrente da moralidade kantiana, da razão prática, e da sua universalidade), tentando fazer crer que as pessoas podem ser mudadas através da “reeducação” pelo Estado diretor, que transformaria o “egoísta predatório” num “altruísta racional e tolerante”, de acordo com os padrões que seriam ditados por esse Estado, “social”, protetor e “progressista” (leia-se “Wokista”), que entende que o “lobo” pode ser domesticado ao se submeter a uma “lavagem cerebral” onde inscreveriam comportamentos sobre a sua “lousa em branco”, até que estivessem criadas as condições para que esse mesmo Estado desaparecesse para dar lugar a um Poder Globalista, ditado pelas suas elites, onde as “democracias não lutam entre si”, mas em que abdicariam das suas Soberanias Nacionais para darem lugar a um “governo mundial”.

Uma tal abolição gradual dos Estados, seria assim um “progresso incondicional e irreversível” – uma lógica que o Politburo de Bruxelas impõe à sua “união europeia”, e que os mais notoriamente assumidos globalistas norte-americanos (entre os quais se destacam, hoje, Joe Biden, Barack Obama, ou o inevitável, “inefável” e onipresente em todas ações globalistas-wokistas, promotor da “sociedade aberta”, George Soros) não escondem que no decurso desta estratégia “progressista” o epicentro deste “governo mundial” estaria uma “ONU”, determinado pelos  valores “liberal progressive”, numa autoproclamada “Liga das democracias” composta pelos seus obedientes “satélites”, que mudariam a própria natureza do homem, que já não seria nem “homem, ou mulher”, mas algo ditado pelas suas ideologias de gênero.

Outra direção filosófica que se afirmou nas relações internacionais acompanha as teses marxistas.

Aqui, o “marxismo” não é exatamente o que constituiu o núcleo da política externa da ex-URSS.

Esward Hallett Carr, um realista clássico nas relações internacionais, demonstrou de forma ilustrada, que a política externa da URSS – especialmente sob Estaline – foi construída sobre os princípios do “puro realismo”.

Os passos práticos de Estaline se basearam no princípio da plena soberania, que ele associou não tanto ao Estado nacional, mas ao seu “Império vermelho” e aos seus interesses.

Este “marxismo nas relações internacionais” conhece a sua principal expressão nas teses do trotskismo e nas “teorias do sistema mundial” de Immanuel Wallerstein (famosos nos “movimentos contra o aquecimento global” e nos militantes “climáximos”, “apanhados da crise climática”), um “realismo idealista proletário”, em que o mundo é apresentado como una “zona única de progresso social”, sem fronteiras ou Soberania, onde o sistema capitalista estaria destinado a se tornar gobal, caminhando para a criação de  um “governo mundial” sob a hegemonia do “Capital Global Internacional por natureza”.

Uma nuance das teses “liberal progressives”, onde ambas militam no entendimento que a “essência do ser humano depende da sociedade”, ou, mais precisamente, da “relação com a propriedade dos meios de produção”, organizando-se a natureza humana em “classes” em “causa fraturantes”, onde os indivíduos não vivem e pensam como pessoas; mas onde é a “classe que vive e pensa através deles, na crença que as “contradições de classe” atingirão o seu ápice e ocorrerá uma “revolução mundial”, numa versão alternativa e de “esquerda” do Nacional-Socialismo, adaptada às teses wokistas de fomento das migrações em massa, das ideologias de gênero e de vazios “direitos humanos” para todos os tipos de minorias, espacialmente as sexuais, para completar a sua missão de destruir Estados e abolir Soberanias Nacionais.

Ademais, como se vem evidenciando e demonstrando, quer no EXÓRDIO, quer, com maior desenvolvimento no CAPÍTULO II, maxime Pontos 1 a 4, as fronteiras entre o “liberal progressivism” e o “marxismo” são cada vez mais tênues e difusas.

O pouco à vontade com que, aliás, os atuais assumidos seguidores de teses marxistas se identificam como tal (por óbvias razões de decoro e de percepção que não lhes “rende votos”), levam a que muitos dos seus protagonistas optem por se apresentar como “liberal progressives”, “aceleracionistas” e, mesmo com despudor, “Globalistas” – afinal, este “marxismo” contemporâneo é, assumida e predominantemente, liberal progressive, globalista e “aceleracionista”.

Título e Texto: M. Jorge C. Castela, in “Rússia versus Ucrânia – Nacionalismo versus Globalismo – Factos versus Propaganda”, páginas 556 a 560.
Digitação: JP, 11-9-2024

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