Humberto Pinho da Silva
Em meados da década sessenta era jovem e adolescente.
Tinha pouco mais de quinze anos. Por gosto, acompanhava meu pai para assistir a
conferências e colóquios, na "Casa dos Jornalistas e Homens de Letras do
Porto".
Como, por vezes, vinha diretamente da escola, chegava
antes do início do evento.
Ficava, então, a cavaquear com o bibliotecário da
Casa.
Entre as conferências que assisti, e colóquios
coordenados por Óscar Lopes, recordo a magnifica preleção do notável
comunicador e cineasta António Lopes Ribeiro, de improviso, sem texto de apoio,
versando o tema "O cinema e a sociedade".
Ora, certa ocasião, estando a folhear, distraidamente,
um jornal retirado de ampla mesa, o bibliotecário acercou-se de mim.
Começou por lamentar o salário de miséria que o trabalhador usufruía nesse Pais, principalmente o braçal.
O loquaz homem, de fisionomia sombria, espraiava com
ardor, asseverando que poucos receavam essa nação, e até muitos pensavam
ajudá-la; mas, segundo ele, em breve a China seria tão poderosa que mandaria no
mundo.
Sorrindo, escutava-o, lembrando-me, por analogia, do
que lera numa seleta escolar: Andava menino pela orla de lúgubre e densa
floresta, quando depara, entorpecida pela friagem, pequena víbora. Condoído,
agasalhou-a, aconchegando ao peito. Reanimada pelo calor humano, em vez de
agradecer, mordeu o benfeitor, mortalmente.
Mais de meio século se passou sobre essa conversa. Na época,
muitos defendiam a obrigação, o dever, de auxiliarem o infeliz povo, mas
decorrido tanto tempo verifico que havia carradas de razão para tal preocupação
desse bibliotecário.
Título e Texto: Humberto
Pinho da Silva, setembro de 2024
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