Aparecido Raimundo de Souza
Na verdade, esse cárcere
não fica muito distanciado de se assemelhar —, sem tirar nem pôr —, a um daqueles ergástulos dos tempos da Roma
antiga onde se confinavam os escravos rebeldes desobedientes de seus amos e
senhores. Faço referência, obviamente, a enxovia dos tempos — ou seja — registro a minha desdita como se morresse um pouco a cada dia num lugar
ermo e ignominioso destituído das benesses de um céu mavioso e de um sol bonito
e aconchegante incrustrado nos cafundós de meu “eu” interior. Em meu recôndito,
os minutos se arrastam como correntes enferrujadas e as horas se amontoam sobre
os ponteiros como pedras pesadas ao redor dos meus pés de passos calejados.
O tempo — essa entidade implacável — construiu, para mim, um mundo de paredes
invisíveis, tipo um labirinto que exala o tempo todo um estado de desespero e a
noção de “passado presente-e-futuro” se entrelaça em uma espécie de música
bestificada enlaçada numa dança lancinante e enganosa de vida perpétua. Cada
dia, quando acordo, tenho a impressão de que o cubículo onde me encontro,
mostra meu corpo acrescido de um novo grilhão. Com ele, igualmente acorrentado,
a minha liberdade de voar, fugir, sumir, dar no pé, entra em parafuso torto.
Enfim, o delírio de me escafeder para algum lugar menos despiedado, vai na
onda. Mingua, brocha, perde a textura. Com isso, as tentativas me parecem e se
me afiguram como um rascunho-registro de uma lembrança distante, divorciada,
assim como uma promessa que nunca chegará.
Sempre que desperto, a cada manhã, o mesmo ciclo de flagelos volta à carga. Retorna com força total, como se eu estivesse manietado em um loop interminável de rotinas e obrigações das quais não poderia, de nenhuma forma, abrir mão. Os minutos, por conta, parecem se esticar e encolher, brincando com a minha percepção, fazendo com que o tempo (o meu tempo) passe à revelia, e, para meu desassossego, se consuma de forma cruel e caprichosa. De contrapeso, o meu passado, com suas memórias e arrependimentos, se faz vivo como uma sombra constante.
Uma obumbração nos
contornos de um rosto extremamente negro, como a “destituidade” total da
ausência de sol no Círculo Polar Antártico, ao sul do planeta Terra. Essa
negridão, a bem da verdade, me persegue com suas imagens fragmentadas de sons e
ruídos, barulhos e fuzarcas que não consigo esquecer. Tento, em vão, mas ao
final, me desencorajo vencido e acuado. Cada escolha que faço errada, cada
momento que já me chega perdido, se reflete nas paredes e nas grades de minha
prisão. O que poderia ter sido e o que realmente foi, se unem, se misturam, se
mesclam, se associam em um mosaico de nostalgias e arrependimentos.
O meu imediato, o meu
hodierno, o meu agora coetâneo, ou ainda, o meu espaço efêmero e fugaz —, em outras palavras de igual porte —, ou sintetizando, o profundo rés-do-chão onde
vivo e vegeto a maior parte do tempo, não me deixa deslanchar, singrar novos
ventos, ou reviver ainda que por um espaço ínfimo, o sonho de Ícaro. No mesmo
aqui, alfinetado pelos percalços diurnodiários, a sensação malograda e baldada
de estar encadeado, chumbado, aferrado e submetido, não me larga, não me deixa,
não me abandona, tampouco desgruda. O presente, o meu presente é ainda uma
série de tarefas intermináveis repletadas de responsabilidades esmagadoras. Cada
uma delas se arrastando de volta à minha cela.
As oportunidades
surgidas, parecem escorregar entre os meus dedos, como areia fina que não possa
de nenhuma forma humana, segurar. O meu “amanhã-futuro,” por outro lado, ou o
porvir dilatado das minhas quimeras, é um horizonte afastado, frio gélido e nebuloso.
Parece uma promessa fria e fraca, tipo assim, um nirvana que possivelmente
nunca se materializará. Apesar desses prós e contras, não estou de braços
cruzados, ou “A espera de um milagre,” como o calvário vivido por John Coffey,
que morreu inocente na cadeira elétrica, por um bárbaro crime que não cometeu.
Os fenômenos incomuns nunca foram meus parceiros.
Sempre se fizeram
distanciadamente elásticas. Espero e planejo. Entretanto, a incerteza, em
oposto, é a única certeza dentro do meu “agora-hoje.” A cada passo que
empreendo em direção ao futuro, ou ao que presumo ser um trajeto de fisionomia
próspera, porém, tal urbanidade não se materializa. Em razão disso, me sinto um
merda. Um zero ao quadrado. Um “nada” obtuso puxado de volta para um buracão de
profundidade sem trâmite seguro, de onde possa regressar, alvissareiro, sem as
espessas correntes de um tempo magnânimo não me tolhendo o seguir adiante.
Sempre que tento escapar desse inferno que me queima os ossos, apesar de todos
os esforços, me masturbo irremediavelmente atado a uma boceta tipo um calabouço
de puta, dessas vadias sem portas e tramelas para o que há de vir logo após o
ato da penetração.
A verdadeira liberdade
(pelo menos o tênue sopro que às vezes me contempla), ou dito de forma mais
esclarecedora, a que sonho vinte e quatro horas, surge em forma de um devaneio,
ou um ponto equidistante. Uma quimera disparatada. Tudo me chega como uma visão
distorcida, alterada, disparatada que se dissolve quando tento alcançá-la. Em
paralelo, as horas passam, os dias se tornam semanas, e as semanas se
transformam em anos. O tempo, ou o meu tempo é o meu carcereiro implacável, e
eu sou seu prisioneiro. No entanto, talvez a verdadeira chave para a minha
liberdade esteja na aceitação do tempo como ele é, ou, de alguma forma ainda
não aprendida, careça de escavar e a condicionar como previsível o
imprevisível, e, infinitamente impersistente, o persistente.
Viver atado às garras de
um cubículo do tempo é um desafio constante. Talvez, acredito seja a mesma
senda, ou uma oportunidade única para me encontrar em algum lugar seguro. Um
espaço que não repita esse canto em que estou. Mas a pergunta é: encontrar exatamente
o quê? Afinal, em que mundo vegeto? Sempre me questiono e não obtenho resposta.
Seria o significado nas ínfimas bobagens não vistas, usque as coisas, ou as
brechas, ou via igual, entre os percalços e os grilhões persecutórios que me
atormentam? Oxalá, no final, a verdadeira liberdade não seja a ausência de
tempo. Por certo, a minha Felicidade se coadune ao fetiche da capacidade de
viver plenamente dentro de suas garras e literalmente envolto dos calcanhares à
raiz dos cabelos, “titanicqueados” sei lá, no afundamento inaudito das minhas
próprias e severas limitações.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo, 17-9-2024
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Prisioneiro
De onde menos se espera, o milagre se faz grandioso
Aqui estou eu de novo para expressar a minha opinião sem fins de querer sem alguém importante, apenas venho para dizer ou pelo menos tentar mastigar e engolir, numa boa, o que o Aparecido Raimundo de Souza quis transmitir no seu texto... A minha eterna prisão no cárcere de um tempo que nunca será meu. Vamos começar pelo que ele chama de confinamento. Brilhantemente Aparecido se colocando na primeira pessoa, usa a metáfora de uma prisão para descrever a sua situação pessoal. Ele se sente enclausurado em um cárcere de edificação ciclópica comparando a sua situação atual de hoje com a antiga fortaleza de Boyard e às prisões da Roma antiga. Ele poderia ter ido mais longe e falado, por exemplo, da prisão de Ilha de Páscoa, no Chile, ou da de Guantánamo em Cuba. Essas comparações estabelecem uma imagem vívida de um ambiente opressivo e desolador. O cárcere, para ele, não é apenas um espaço físico, mas também um estado mental e emocional, onde o seu eu lírico está imobilizado e sufocado. O tempo como carcereiro vem apresentado como uma força implacável que constrói paredes invisíveis ao seu redor. Ele vai mais distante e descreve o tempo como um labirinto que perpetua a sensação de desespero e desamparo. O tempo é descrito como algo que se estica e encolhe, brincando com a percepção do eu lírico e prolongando a sua agonia. O texto revela um outro aspecto importante. Um ciclo interminável de sofrimento. Esse ciclo seria a roda do tempo e a fuga impossível. O seu eu lírico tenta escapar, mas a sensação de estar sempre acorrentado e preso faz com que seus esforços sejam infrutíferos. O passado, com suas memórias e arrependimentos, é uma sombra constante, enquanto o futuro parece um horizonte distante e gélido, como uma promessa vazia. O presente e as responsabilidades se faz descrito como um espaço de tarefas intermináveis e responsabilidades esmagadoras. O eu lírico se sente encadeado por obrigações diárias que não permitem nenhum tipo de avanço ou alívio. As oportunidades parecem escorregar pelas suas mãos, e o futuro permanece nebuloso e distante. Apesar da sensação da busca pela liberdade e a sensação de prisão, o seu eu lírico não está completamente resignado. Há uma busca contínua por uma forma de liberdade, embora seja frequentemente percebida como uma quimera ou um devaneio. A aceitação do tempo e das limitações pode ser a chave para encontrar uma forma de liberdade e dela se apoderar imediatamente. Aparecido Raimundo de Souza nos finalmente de sua crônica, faz uma rápida reflexão sobre a liberdade e a prisão. E a sua história conclui com uma reflexão sobre a verdadeira liberdade. O eu lírico entra de novo em cena e questiona se a liberdade seria a ausência de tempo ou a capacidade de viver plenamente dentro das limitações impostas por ele, ele, obviamente, o tempo. A verdadeira liberdade pode estar na aceitação das restrições e na capacidade de encontrar significado e satisfação apesar delas serem distintas. Para não me parecer longa e cansativa demais, Aparecido Raimundo de Souza, resume a prisão (não a dele, especificamente, mas a prisão de seu eu personagem) como um todo, no geral, como um conceito multifacetado que vai além das paredes físicas de uma cela. Ela representa um estado de confinamento mental e emocional, onde o tempo se torna um carcereiro implacável. O eu lírico está preso em um ciclo interminável de rotinas e responsabilidades, com o passado e o futuro se entrelaçando em um labirinto de desespero. As oportunidades escapam e a sensação de estar encadeado é constante. No finalzinho, o texto sugere que a verdadeira prisão pode ser a falta de aceitação do tempo e das próprias limitações. A verdadeira liberdade pode não ser a ausência de tempo, mas a capacidade de viver plenamente dentro das restrições impostas por ele. O eu lírico se faz de novo presente e busca encontrar significado e liberdade não fora, mas dentro das suas próprias limitações e desafios. Desculpem, se falei demais.
ResponderExcluirTatiana Gomes Neves, Tati
tatianagomesnevesistoegente@gmail.com
Sitio Shangri-Lá, ES/MG
Oi, Tatiana!
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