Estado de S. Paulo
Se em relação a Luiz Inácio
Lula da Silva a Operação Lava Jato e afins não conseguirem revelar nada mais do
que até agora veio a público, já estará mais do que demonstrado um traço importante
do comportamento do ex-presidente que o desqualifica como homem público
incorruptível ou, como ele próprio se definiu, a “alma mais honesta” do País: a
promiscuidade com empresários corruptos como o ex-presidente da construtora
OAS, condenado a 16 anos de reclusão por corrupção, lavagem de dinheiro e
organização criminosa no escândalo da Petrobrás.
Pressionado, Lula confessou,
em nota divulgada por seu instituto, o que já se tornara indesmentível: fez uma
visita, em 2014, a “uma unidade disponível para venda no condomínio”, o famoso
tríplex do Edifício Solaris, no Guarujá, acompanhado de Marisa Letícia e de Léo
Pinheiro, então firme no comando de sua empreiteira, que havia assumido a
construção do prédio. Após a visita – segundo a nota, sob o título Os
documentos do Guarujá: desmontando a farsa –, o casal concluiu que o
apartamento “não se adequava às necessidades e características da família, nas
condições em que se encontrava”. Aparentemente, para satisfazer o casal, Léo
Pinheiro mandou fazer novas reformas, que foram fiscalizadas, ainda segundo a
nota, em outra visita de Marisa Letícia, desta vez acompanhada do filho Fábio
Luís.
Não é necessário especular
sobre os motivos que teriam levado a OAS a assumir a construção do Solaris após
a quebra da Bancoop nem as razões que teriam convencido a família Lula da Silva
a desistir da ideia de ter um luxuoso apartamento naquele prédio. A pergunta
para a qual Lula não tem resposta é a seguinte: por que, afinal, Léo Pinheiro
se dispôs a apresentar pessoalmente ao ilustre casal a reforma que sua
construtora havia realizado no tríplex e, quando foi informado de que o imóvel
“não se adequava às necessidades” de uma família exigente, ordenou nova
reforma, que a própria ex-primeira-dama viria a conferir pessoalmente pelo
menos uma vez?
As razões de Léo Pinheiro são
fáceis de imaginar. Lula, na condição de ex-presidente da República e maior
líder do partido que continuava no poder, já havia desembolsado boa soma para a
aquisição do imóvel e, mais que isso, merecia a deferência especial da presença
do dono da construtora na singela apresentação da unidade reformada. E Pinheiro
acertou, pois os Lula da Silva efetivamente se interessaram pelo negócio, já
que o generoso anfitrião do encontro garantiu que o deixaria nos trinques. Só
desistiram dele, meses mais tarde, no segundo semestre do ano passado, depois
que a imprensa passou a publicar, segundo a nota, “notícias infundadas, boatos
e ilações que romperam a privacidade necessária ao uso familiar do
apartamento”, seja lá o que isso queira dizer.
As razões de Lula, homem
público com ambições que não esconde, é que interessam aos brasileiros. Não se
trata de questionar a lisura do negócio em que a família se envolveu. Trata-se
de constatar que Lula, que sempre demonstrou desprezo pelos rigores éticos da
“moral burguesa”, se permitiu expor publicamente uma relação promíscua com um
empresário desonesto – relação que, a bem da verdade, precede de muito o caso
do tal tríplex – interessado em transformar “laços de amizade” em ativos
financeiros.
A relação espúria Lula-Léo
Pinheiro se reproduz em muitas outras do gênero que povoam o ambiente de
promiscuidade entre política e negócios, com uma infinidade de “amigos do peito
do presidente”. Ela é a própria essência do secular e corrupto sistema
patrimonialista que trava o desenvolvimento do País. Um sistema que, pelas
injustiças que tende a provocar – o caso Bancoop é um magnífico exemplo –,
sempre esteve na mira do PT enquanto era oposição. Um sistema ao qual Lula e
seus seguidores se renderam sem o menor constrangimento há 13 anos, sob o
argumento falacioso de que, para fazer bem ao povo, é preciso garantir a
“governabilidade” a qualquer custo. Essa é a verdadeira farsa que a Lava Jato
está desmontando. Lula e seus fiéis escudeiros, tendo à frente o notório José
Dirceu, sempre se apresentaram como heróis ao povo brasileiro. Nunca passaram
de homens comuns, daqueles que se deixam corromper pelas circunstâncias. Ao
contrário deles, heróis mudam as circunstâncias e conservam suas virtudes. Lula
e a tigrada nunca foram nem serão heróis – não passam de homens ordinários.
Ordinaríssimos.
Título e Texto: Editorial, Estado de S. Paulo, 2-2-2016
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