terça-feira, 27 de setembro de 2016

Carta aberta a Passos Coelho

Sim, eu sei... Mas o senhor, o que é que propõe?

José Mendonça da Cruz

Caro Dr. Pedro Passos Coelho,

Votei em si em 2010 e em 2015. Começo por este esclarecimento para – esperançosamente – o interessar a si e irritar os seus oponentes, sobretudo os militantes que enchem caixas de comentários de jornais, revistas e blogs com considerações tão incendiadas quanto obtusas contra si e a sua governação, junto com acusações de azia e ressabiamento com que imaginam esmagar quem afinal só lamenta o seu pobre entendimento. Se o interessei, a si, tanto melhor; se indispus os orcs, tanto faz: os pobres diabos produzem ruído e autossatisfação, mas é só isso, só folcore, nunca elegeram ninguém. Os orcs não são problema, Dr. Passos Coelho, mas eu, seu eleitor, sou. É que eu, embora compreendendo-o, tenho um problema consigo: é que não sei o que quer.

Austeridade, só? E que mais? 
Compreenda-me. Eu considero-o sério, responsável e prudente como António Costa não é, e não quero perder mais do que umas poucas linhas a discutir a sua governação entre 2011 e 2015. Compreendo que fez o necessário para dar um aroma de seriedade às contas públicas e conquistar a credibilidade entre instituições internacionais e investidores. Compreendi menos bem por que razão aceitou para as suas políticas a mesma denominação de «austeridade» com que os autores da bancarrota baptizaram as consequências desta. Compreendo ainda menos por que razão a elegeu como proclamação-cerne da sua política. E não consigo nem começar a compreender por que razão nunca fez cavalo de batalha da publicidade sobre o controlo da dívida, a baixa das taxas de juros, a taxa de crescimento superior à média europeia, a recuperação do emprego, o saldo primário positivo, a animadora taxa de investimento, a animação das exportações, o equilíbrio da balança corrente, a confiança internacional. É que além de sinais de bom rumo, essas bem que poderiam ser as fundações de um programa de governo com esperança e crível. Mas onde é que ele ficou, Dr. Pedro Passos Coelho? Além de mais austeridade, de mais do mesmo, o senhor prometeu o quê? Pensou que bastava? Pensa que, esperando, vai bastar?

Não basta.
A primeira notícia que tenho para si (desculpe-me a presunção) é que não basta nem vai bastar. Eu sei que o Dr. Jorge Sampaio é, por detrás da sua fingida apatia e do ar equidistante e aristocrata que se inventou, um dos mais perniciosos personagens que nos competiu sofrer. Mas, em outras circunstâncias, em outro sentido, com uma seriedade a que ele era medularmente estranho, não é verdade que há vida para além do défice? O desespero com que o actual governo se aferra ao cumprimento desse mesmo défice quando tudo o resto vai mal não é, a contrario, prova disso mesmo? Pois se a vida para além do défice vai, com este governo, de mau a muito pior; onde haveria o lamentável governo de aferrar-se? Mas… e o senhor, Dr. Pedro Passos Coelho, além do cumprimento do défice que mais teria aí para nós? É que eu ainda não ouvi. Julgo que ninguém sabe nem ouviu.

O medo não conquista 
votos (ou votos bastantes, ao menos) – isso, julgo eu, o senhor terá aprendido na eleição de 2015. Então, porque não tira conclusões programáticas para o futuro? Porque descansa em mais do mesmo e se limita a esperar? Bem pode dizer a um povo ignorante que entregar o poder aos responsáveis da bancarrota traz a bancarrota outra vez. O povo não acredita. E se não acredita não é apenas por ignorância, é também porque pouco tem a perder. É um dos mais pobres e incultos da Europa; se alguém lhe promete maravilhas, ou ao menos algum desapertar de cinto, ou ao menos alguns tostões, ou ao menos a promessa da esperança da ilusão de alguns tostões, como não haveria de acreditar? Ele não conhece mais nada, ele acha que os políticos e as políticas são todas iguais, e, mal por mal, prefere aquele que deixa as costas folgar (e se depois será pior é coisa que só depois se verá). Julga que bastam maus indicadores, umas quantas advertências internacionais e algum azar para pôr a governação de Costa a perder? Não julgue. Lembre-se que até Sócrates foi reeleito quando o desastre era claro e iminente.  

Qual é a mensagem 
que o senhor traz, Dr. Pedro Passos Coelho? Se tem (como parece que tem) uma alternativa a este vicioso ciclo socialista de gastos perdulários seguidos de resgates penosos, se tem um programa contraditório e mesmo inimigo deste sórdido fingimento de preocupações «sociais» com que a esquerda funcionaliza, asfixia, tolhe e empobrece Portugal, é bem altura de o explicar e proclamar. Tem medo do «eleitorado»? Não tenha. Hesita perante as clientelas com que o PS é pródigo e nos desgoverna? Não hesite. Como os comunistas, só fazem o que as deixarem fazer. Em vez disso, em vez de crer na «esquerdização» do eleitorado por que suspiram e com que antecipadamente se deleitam os media avençados, em vez de tomar por certo que os dependentes do Estado possam ser todos contabilizados no mesmo saco cor-de-rosa em que a parcialidade dos media os imagina, em vez das sondagens amigas de Costa com que o séquito de Costa se engalana, aproprie-se da abstenção, aproprie-se o senhor, Dr. Pedro Passos Coelho, da abstenção. Faça seus os desencantados, os cépticos, os abúlicos, os zangados, e os que esperam um programa claro e melhor. Junte-os aos que votaram em si. Fale-lhes de progresso, iniciativa, riqueza, dinheiro, bem-estar, orgulho, respeito, mérito, confiança internacional, progresso. Explique-lhes ponto por ponto que há uma alternativa de riqueza, modernidade e civilização a esta mediocridade torpe, a esta maneira arcaica, falida, rasca e rasteira de estar. Explique-lhes como e por que passos chegamos lá. Experimente, que vale a pena. É que com menos do que isso nunca terá maioria para governar. 
Título, Imagem e Texto: José Mendonça da Cruz, Corta-fitas, 27-9-2016

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