terça-feira, 12 de maio de 2020

O suicídio da Europa

A identidade europeia foi desgraçadamente reduzida a versões ideológicas de palavras como diversidade, tolerância, respeito


Bruno Garschagen

Vítima de assédio moral pela família de imigrantes paquistaneses que a obrigaram a um casamento arranjado, uma jovem muçulmana de 16 anos, cujo sonho era cursar literatura inglesa numa universidade, começou a urinar regularmente na cama. Outra jovem de origem familiar paquistanesa, vítima de casamento arranjado e da violência do marido desde a noite de núpcias, tentou se enforcar. Uma terceira jovem, filha de pais indianos, foi mantida fora da escola a partir dos 11 anos de idade para não ser contaminada com ideias ocidentais. Aos 15, ela foi levada para a Índia e forçada a se casar com um primo de 16 anos que havia sido criado na mesma casa como se fosse seu irmão. Ao negar-se a fazê-lo, a adolescente foi brutalmente espancada pelo pai e teve o maxilar fraturado. A única maneira de convencer a adolescente a aceitar o casamento com o primo-irmão foi o pai ameaçar divorciar-se da mãe e expulsá-la de casa.

Esses casos abomináveis, dentre tantos outros descritos pelo psiquiatra inglês e colunista da Revista Oeste Anthony Daniels (Theodore Dalrymple) em seu livro A Vida na Sarjeta, aconteceram na Inglaterra na década de 1990 sob a completa ignorância ou complacência de políticos e de autoridades do país. Aqueles imigrantes que tentam reproduzir no país que os acolheu costumes que são inaceitáveis e passíveis de punição numa democracia liberal contam com o apoio imoral dos multiculturalistas e com a passividade da polícia, que teme ser acusada de racismo ou xenofobia. Na dúvida, prefere não agir.

Assim tem sido, inclusive, com casos infames de tráfico sexual de crianças e de estupros em série praticados por gangues de muçulmanos: as investigações e prisões só ocorrem quando não há mais como fingir, a história vaza e escandaliza a sociedade.

A imigração em massa combinada com a falta de uma política que exija contrapartidas dos estrangeiros, coisas óbvias como aprender o idioma e adaptar-se à cultura do país, parecem ter transmitido a uma parcela dos imigrantes a mensagem de que pode fazer no país que não é o deles tudo aquilo que fazia em seu país — e do qual fugiram por alguma razão.

E, enquanto os multiculturalistas reduzem o problema da imigração em massa à diversidade cultural e a quão boa a imigração é para a economia, garantem um salvo-conduto a todos aqueles que decidem abusar do privilégio de viver num país como a Inglaterra.

Se o próprio país não exige uma adaptação cultural mínima, não será o imigrante criminoso a fazê-lo.

O problema, diga-se, não se restringe à Inglaterra. Vários países europeus vêm enfrentando problemas de adaptação e alta de criminalidade cometida por estrangeiros, principalmente depois da crise migratória ocorrida em 2015. Políticos como Angela Merkel não só não souberam como lidar com a questão, mas agravaram-na em seus respectivos países, abrindo espaço para políticos populistas como o italiano Matteo Salvini.

No passado e no presente, aqueles corajosos que ousam pôr o assunto em tema são acusados das piores heresias. Em 1968, Enoch Powell fez um discurso apontando as consequências negativas do descontrole do fluxo imigratório para o Reino Unido, desde problemas culturais aos infraestruturais (escolas, hospitais etc.). Sua carreira política ascendente caiu em desgraça por covardia da elite do Partido Conservador à época liderado pelo esquecível Edward Heath.

A intervenção de Powell foi usada como justificativa para inviabilizar por décadas o enfrentamento do problema. E qualquer tentativa era rechaçada sob a acusação de xenofobia.

Outra vítima do consenso compulsório foi Ray Honeyford. Diretor de uma escola em Bradford cuja maioria dos estudantes era filha de imigrantes, Honeyford ousou escrever em 1984 um artigo para a revista The Salisbury Review, à época dirigida por Roger Scruton. No texto, ele descrevia as atitudes dos pais imigrantes em relação a seus filhos, como proibi-los de participar de aulas de esporte, teatro, dança. Também defendia a ideia de que os alunos aprendessem e falassem o inglês, e que aprendessem e compreendessem a cultura da Inglaterra. O texto lhe custou o emprego e a carreira.

Os poucos críticos das consequências da imigração em massa eram calados, e as fronteiras, arreganhadas.

É justamente a imigração em massa, mais a perda de fé dos europeus em suas crenças, tradições e legitimidade, a fonte de uma questão que, para alguns autores, parece irreversível: a extinção da Europa tal qual a conhecemos.

Para agravar a situação, e ser pessimista em sua capacidade de resistir e sobreviver, “a Europa de hoje não tem a mais pequena vontade de se reproduzir, de lutar por si mesma ou de sequer tomar partido numa discussão. […] Hoje, mais do que qualquer outro continente ou cultura no mundo, a Europa está profundamente vergada ao peso da culpa pelo seu passado”.

Esse diagnóstico sombrio, que parte da afirmação segundo a qual a Europa está a suicidar-se, foi formulado pelo jornalista inglês Douglas Murray em seu altamente recomendável livro A Estranha Morte da Europa. O livro foi publicado em 2017 na Inglaterra, teve uma edição lançada em Portugal em 2018 e merecia tradução no Brasil. Já como sinal dos tempos, a versão portuguesa alterou o subtítulo: o original “imigração, identidade e islã” foi modificado para “imigração, identidade e religião”.

Ao asseverar que os líderes europeus é que decidiram suicidar-se (ou promover um suicídio assistido), Murray está apontando para o fim da civilização construída pelos europeus e que, por isso, “os povos da Europa terão perdido o único lugar do mundo a que” podiam “chamar de casa”. Esse amor pelo lar e pelas pessoas que nele residem, sentimento definido pelo filósofo Roger Scruton como oikophilia, é que nos permite reconhecer como casa aquilo que nos é familiar.

oikophilia nos desperta o senso de pertencimento e de proteção contra os instintos destrutivos de quem quer que seja.

A casa do europeu não é só o território definido por fronteiras, segundo Murray. Porque ser europeu é compartilhar uma cultura, um conjunto de valores, inclusive religiosos. E é precisamente uma cultura “forte e assertiva”, ao contrário de “uma cultura culpada, exausta e moribunda”, que é capaz de suportar a pressão da chegada em massa de determinados estrangeiros que se recusam a respeitar o (e a ser gratos ao) país de acolhimento.

Longe de ser uma diatribe histérica contra a imigração ou contra os imigrantes, o livro de Murray reconhece sua importância, mas chama a atenção para um problema urgente: a antiga identidade europeia, calcada em fundamentos filosóficos e históricos profundos, foi desgraçadamente reduzida à aplicação de versões ideológicas de palavras como diversidade, tolerância, respeito, com resultados sociais desastrosos.

E para onde essa questão não debatida nem resolvida conduzirá a Europa? Para Murray, “essas autodefinições superficiais (diversidade, tolerância, respeito) podem sustentar-nos [os europeus] durante mais alguns anos, mas não têm qualquer hipótese de ser capazes de convocar as lealdades mais fundas que as sociedades têm de ser capazes de alcançar se querem sobreviver por muito tempo”. Dessa maneira, “esta é apenas uma razão pela qual é provável que a nossa cultura europeia, que durou todos estes séculos e partilhou com o mundo tais cumes da realização humana, não sobreviva”. Cultura europeia da qual, nós, brasileiros, somos filhos.

Agora resta saber se a pandemia do novo coronavírus será capaz de provocar ou não mudanças no debate e no cenário, pois, como apontou Scruton em seu livro Como Ser um Conservador, “o trabalho de destruição é rápido, fácil e recreativo; o labor da criação é lento, árduo e maçante”.
Porque, permanecendo as coisas como estão, veremos, como no célebre verso de Os Homens Ocos, de T. S. Eliot, a Europa expirar, não com uma explosão, mas com um lamento.
Título e Texto: Bruno Garschagen é cientista político, mestre e doutorando em Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa) e autor dos best-sellers Pare de Acreditar no Governo e Direitos Máximos, Deveres Mínimos (Editora Record). Revista Oeste, nº 7, 8-5-2020

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