segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Dilma disse discordar do voto dado pelo Brasil na resolução que condenou o governo do Irã


No dia 19 do mês passado, a ONU votou uma resolução que condenou o governo do Irã por violações aos direitos humanos, dando especial destaque ao apedrejamento de mulheres. O Brasil se absteve. Em vez de se alinhar com EUA, Japão, países da Europa e Argentina, preferiu ficar com Angola, Benin, Butão, Equador, Guatemala, Marrocos, Nigéria, entre outros. Dei uma das merecidas chicotadas em Celso Amorim naquele dia (Aqui). Os petralhas, como sempre, defenderam o nosso diplomata circense — vocês sabem, eles acham que tenho inveja da estatura de Amorim… Pois bem: agora eu espero que a canalha dirija sua fúria contra a presidente eleita, Dilma Rousseff. Em entrevista ao jornal americano Washington Post, ela afirmou discordar do voto dado pelo Brasil (ver post na home), ainda que tenha defendido a política externa do governo Lula e reiterado os compromissos do Babalorixá de Banânia com os direitos humanos — o que é absolutamente falso no que concerne à política externa brasileira. Também defendeu o diálogo com o Irã e criticou os EUA etc e tal.

O discurso é, sem dúvida, de alguém neófito na área, mas melhor do que aquilo que se tem hoje. A presidente eleita disse não concordar com “as práticas medievais características que são aplicadas quando se trata de mulheres” e que não fará “nenhuma concessão em relação a isso”. Afirmou ainda: “Não sou a presidente do Brasil, mas ficaria desconfortável, como uma mulher eleita presidente, em não me manifestar contra o apedrejamento. Minha posição não vai mudar quando assumir.” Huuummm… Vamos ver.
Não é o sexo do mandatário do Brasil que torna “confortável” ou “desconfortável” o voto dado pelo país na ONU. Não interessa o que se encontra no baixo ventre do mandatário, mas o que vai no cocuruto. A forma de matar, se medieval ou pós-moderna, tem menos relevância do que o fato de que há países, como o Irã, que enforca opositores políticos e homossexuais simplesmente por serem opositores e homossexuais e que apedreja mulheres em defesa dos “costumes”.
Mohammad-Javad Larijani, representante do Irã naquela reunião, defendeu a prática do apedrejamento como uma manifestação do humanismo: “Significa que você deve fazer alguns atos, jogando um certo número limitado de pedras, de uma forma especial, nos olhos de uma pessoa. Apedrejamento é uma punição menor que a execução porque há a chance de sobreviver. Mais de 50% das pessoas podem não morrer”. É com esse tipo de gente que Celso Amorim anda de braços dados. Larijani também fez outra acusação, e é ela que diz respeito ao lixo moral em que Amorim transformou a nossa diplomacia: “Essa resolução não é justa e não contribui com os direitos humanos. Essa resolução é fruto da hostilidade americana contra o Irã. É a politização dos direitos humanos”.
O caso escandaloso do documento
Prefiro, obviamente, a posição de Dilma à de Amorim, mas é um reducionismo tolo, pueril, a presidente eleita evocar a sua condição de mulher para criticar a escolha feita pelo Brasil. Fosse ela um homem, a decisão teria sido menos infeliz? O problema é bem outro. O voto dado pelo Brasil na ONU está ancorado num documento.
No fim de julho, o Itamaraty enviou uma carta a todos os países-membros da ONU defendendo, atenção!, que o organismo evitasse condenar os países por violação dos direitos humanos. Segundo Amorim, o fio-terra da raça (é o outro extremo das antenas), a condenação é contraproducente. Deve-se buscar sempre o diálogo. Escrevi a respeito no dia 4 de agosto (aqui). No documento, sustenta o Itamaraty:
“Hoje, o Conselho de Direitos Humanos da ONU vai diretamente para um contencioso (…). Elas [as condenações] servem aos interesses daqueles que estão fechados ao diálogo, já que lhes dá uma espécie de argumento de que há seletividade e politização”.
Como se nota, a opinião de Amorim coincide com a daquele poeta do apedrejamento iraniano,  que vê até certa suavidade em “jogar pedras nos olhos de uma pessoa”.
O primeiro passo, então, do Ministério das Relações Exteriores do governo Dilma é revogar aquela carta. Se Antônio Patriota, o substituto de Amorim, não o fizer,  o Brasil ficará por conta da “sensibilidade feminina” de Dilma… Caso ela não seja ofendida por alguma “violência medieval”, tudo bem! Não se esqueçam de que o Brasil se negou a condenar até o governo patologicamente homicida do Sudão pela morte de 400 mil pessoas em Darfur, mas jamais perdeu um chance de condenar Israel.
A bobagem espetacular
Não! Não foi dita por Dilma, mas escrita pela colunista Eliane Cantanhêde, da Folha, que assina um texto sob a rubrica “Análise”. Sempre que esses termos se estreitarem num abraço insano, como diria o poeta, a lógica treme.
Ao comentar a fala da presidente eleita sobre o Irã e depois de lembrar que o Brasil tem se negado sistematicamente a condenar tiranias, escreve Cantanhêde este primor:
“Enquanto Lula tenta escapulir de rótulos ideológicos, ela assume claramente uma opção pela esquerda. Essa opção tende a se revelar não na política econômica, mas na área de direitos humanos, por exemplo.”
Meu Jesus (Manuel Bandeira) Cristinho! Lula estaria apenas tentando “escapulir de rótulos ideológicos”, como se as escolhas feitas pelo Brasil — e até os vazamentos do WikiLeaks o evidenciam — não fossem a opção pelo confronto com os EUA, além, evidentemente, da busca de apoio a uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. Tanto é assim que Amorim tentou transformar as decisões brasileiras numa Teoria Geral do Diálogo com os Facínoras, conforme evidencia o documento a que aludi.
Mas isso é quase nada perto do que vem depois. Dilma estaria claramente assumindo, segundo Cantanhêde, “uma opção pela esquerda” ao criticar o Irã! Entendi. O governo Lula evitou, entre outras barbaridades, censurar Cuba, Sudão e Irã por… falta de esquerdismo, certo? Não fosse Lula tentar “escapulir de rótulos”, talvez não tivesse comparado os dissidentes cubanos a bandidos comuns, certo? Ao não perder uma só chance de condenar Israel, vai ver é por direitismo que o Itamaraty o faz…
Não é uma questão de opinião, não! Trata-se de uma monumental bobagem mesmo, mas que tem sua história. Na raiz dessa tolice está a suposição de que direitistas atacam direitos humanos, centristas (como Lula) são pragmáticos, e esquerdistas os defendem. Nem digam! Olhemos para os esquerdistas que ainda há hoje, recuperemos alguns do passado e tentemos contar a sua história a partir dos direitos humanos. Será um espetáculo! Desde Robespierre, os mais mansos matam a sua sede de humanismo tomando um copo de sangue!
Reinaldo Azevedo

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