Os tempos de crise abrem feridas profundas na carne e na alma. A maior dilaceração é a da identidade. Ela coloca-se para os indivíduos e para os povos. Quando parece estarmos à beira do abismo, e queremos encontrar uma razão para evitar o derradeiro passo em frente, colocamos a pergunta decisiva: "Terá a nossa existência algum valor e fará sentido prosseguir?"
Foto: Osvaldo Gago |
No caso de Portugal, e apesar de todos os gritos que se escutam evocando um novo finis patriae, a verdade é que nenhum défice orçamental, nenhuma dívida pública obscurecem o esplendor de Portugal como grande potência cultural. O jovem escritor Gonçalo M. Tavares ganhou recentemente o muito prestigiado e exigente prémio francês para o Melhor Livro Estrangeiro. É apenas um exemplo. A língua portuguesa, como pátria do espírito, estende-se hoje pelo mundo inteiro. É a sexta língua mundial, à frente do francês ou do alemão. Foi uma herança que recebemos dos nossos antepassados, livre de taxas, e que estamos a saber cuidar e multiplicar. Não se trata só de José Saramago ou António Lobo Antunes. Entre os mais jovens escritores portugueses (já não falo de brasileiros e africanos) há mais de uma dezena de nomes destinados ao sucesso global. Se comparamos com o que acontece na Alemanha, apesar dos seus 80 milhões de habitantes, o contraste é ainda maior. A grande literatura alemã habita no passado. Hoje, vive fechada no casulo do seu grande mercado. Uma paróquia abastada, mas onde o "espírito do mundo", de que falava Hegel, já não se demora.
Voltaire dizia que Portugal fundara a Modernidade com as velas de Gama. É essa grandeza do espírito, traduzida também na política, que nos falta reconquistar para dar sentido aos sacrifícios que se aproximam.
Viriato Soromenho-Marques, Diário de Notícias, 5-12-2010
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