domingo, 19 de dezembro de 2010

Uma pré-campanha Alegre

A Sábado divulgou um documento, de 1967, no qual Cavaco Silva informava a PIDE de que estava "integrado no actual regime político" e não exercia "qualquer actividade política". Manuel Alegre aproveitou a deixa, esclareceu que ele próprio nunca confessou à PIDE "bom comportamento" e relembrou que foi um "resistente à ditadura" e um "combatente pela democracia". Cavaco Silva, sem citar nomes, sugeriu que "o desespero não é bom conselheiro". Manuel Alegre respondeu que não condena "ninguém pelo seu passado" e, sem razão aparente, exigiu não ser julgado pelo seu, que sendo "antifascista" não tem nada de "negativo".
Cartoon de Henrique Monteiro
Sabemos que Manuel Alegre não costuma julgar o passado dos outros, virtude que lhe permitiu confraternizar com ex-ministros do Estado Novo na bancada parlamentar do PS ou, em pelo menos duas ocasiões, nos governos que a bancada suportava. Neste caso particular, porém, Manuel Alegre tentou julgar Cavaco Silva: por algum motivo, o candidato poeta admite que a nomenclatura do antigo regime forneça tribunos e governantes socialistas, mas não tolera que um cidadão de currículo trivial alcance a presidência da República.

Ou os critérios de Manuel Alegre para o seu partido são demasiado baixos ou os critérios de Manuel Alegre para a chefia do Estado são demasiado altos. Ou ainda, o que é mais provável, Manuel Alegre já não sabe o que dizer e, se o pudesse fazer sem sobressaltos cívicos (expressão dele) e sem enxovalhos (expressão minha), desistiria imediatamente das "presidenciais". O recurso, para cúmulo trôpego, ao mofo do "antifascismo" não passa de uma admissão prévia da derrota que aí vem.
De quem é a culpa? Em larga medida, de Manuel Alegre, que julgou adicionar ao mítico milhão de votos de há cinco anos o eleitorado inteiro do dr. Louçã e, no justo pressuposto de que o dr. Nobre da AMI não pesa, boa parte do eleitorado de Mário Soares. Enquanto homem de letras, espalhou-se nos números e esqueceu-se de deduzir o eleitorado que desiludiu por não poder atacar suficientemente o Governo e o eleitorado que o abomina por achar que ataca excessivamente o Governo. O apoio esquizofrénico do PS e do Bloco implica também subtracções, não apenas somas.
O colete-de-forças partidárias em que Manuel Alegre se enfiou obriga-o a dedicar 95% da campanha às críticas a Cavaco Silva, cujas palavras e gestos analisa com o fervor de um exegeta. Infelizmente, a absoluta ausência de réplica torna o esforço semelhante ao do golfista que atira bolas para o oceano: as bolas desaparecem e o golfista desanima. Quando o desânimo leva Manuel Alegre a arriscar os 5% restantes e servir de "voz" ao "descontentamento", o resultado é pior. Um destes dias, ouvi-o prometer que, se chegar a presidente da República, "arrastará os jovens para a rebeldia" contra a "precariedade laboral" e contra a "incerteza do futuro". E, não tardaria, contra a República que lhes inventara um presidente assim.
Alberto Gonçalves, Sociólogo, Diário de Notícias, 19-12-2010

2 comentários:

  1. Excelente crónica sem dúvida.
    Manuel Alegre luta pelo mais alto cargo da república com os mesmos argumentos de muitos funcionários públicos, a antiguidade.
    Tal como esses acha que merece a promoção pelo simples facto de estar no activo há muitos anos, e não pelo mérito e reconhecimento do bom desempenho na função.
    Não reconheço a Manuel Alegre qualquer mérito, ou feito, digno de registo desde 1974.
    A sua acção enquanto deputado ao parlamento pautou-se sempre pela mais elementar vulgaridade, salvo um ou outro arrufo em tempos mais ou menos recentes

    Carlos Pereira

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  2. Estou aqui há 10 meses. Portanto,em tese, não sei, nem quero saber, do passado dos candidatos. Analiso-os pelo que dizem, pelo que fazem e o que parecem.
    Um dos candidatos socialistas, Manuel Alegre, tem fixação edipiana ou electriana no atual presidente. A incoerência e incongruência, tamanha é a fixação, é patética!
    A culpa de todos os males é do atual presidente da República; se fala, falou mal, se se calou, devia ter falado, etc... Mas quem está governando este pequeno país, e quem o levou a esta miséria, é o Partido que o apoia, ao qual ele pertence e no qual ele milita. Ou não?
    Penso que o povo está percebendo...

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