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Mesa de bar e outros locais de
gandaia realmente facilitam os amores fáceis, embalados pelo descompromisso das
viagens e baladas caríssimas, presentes de preços desmesurados (paixão dá
prejuízo), gastos totalmente irrealistas para o seu padrão de assalariado, e é por
isso mesmo que o cotidiano se complica pouco depois do desembarque na
realidade: as contas chegam formando uma avalanche, bombadas pelo estouro do
limite do cartão de crédito, o qual derruba o ânimo, deturpa e paralisa aquela
figura até ali - a página 5, no máximo - apenas glamurosa, gentil e
sorridente. Quase supérflua, admitirá você bem mais tarde.
Qualquer ajuda é bem-vinda,
portanto, a primeira pessoa a ser requisitada para esse socorro material ou
emocional imediato é justamente aquela que também se divertiu tanto até o
início do caos alheio (sim, o SEU), e pode não estar disposta - nem um pouco - a
compartilhar prejuízos de qualquer espécie, talvez por ser egoísta,
acomodada... ou apenas superficial. E vai cair fora o mais rápido possível,
argumentando ter outros problemas, não ser terapeuta ou economista, ou poderá
mesmo ser radical: não curte gente falida... ou arrumou outro par mais estável,
financeira e emocionalmente. E você fica no ora veja. Nem pense em procurá-la,
porque ela já te deixou pra trás. A fila anda, nem que seja à base de um pé na
sua bunda. Pobre só vai pra frente com empurrão, como você bem sabia antes de
se atolar dessa forma.
Soa familiar? É um déja-vu? Você já viu – ou ajudou a escrever o roteiro e ainda escolheu a trilha sonora – desse filme, certo? Atire a primeira ou décima latinha de cerveja na cesta de lixo reciclável aquele que nunca passou por isso, ou ouviu uma história assim num fim de noite com amigos razoavelmente sóbrios, ou ainda teve que consolar um bêbado (exatamente aquele que te prometeu a carona de volta) ouvindo a deprimente breguice musical “Garçom, aqui nessa mesa de um baaaarrrrr...”. Você filosofa mentalmente: “ Zuzzzo beeemmm...”. E assim que possível, dá um perdido no bebum e vai embora a pé ou no último ônibus da madrugada, o célebre Cata-Corno. Faz sentido, mesmo em plena solteirice.

Aos poucos a roda-viva diminui
a velocidade, porque as dívidas (leia-se “prestações em inadimplência”) são
pagas, e você vai conseguindo retomar um raciocínio mais prático, que ajuda
também a admitir os erros cometidos: misturar amor com dinheiro é uma imensa
roubada – sem trocadilho – uma verdade que você ignorou naquela já um pouco distante
época. Socar a parede num acesso de raiva não é nada aconselhável, acredite,
principalmente se estiver sem o plano de saúde: nem sempre há
gesso/tala/atadura/linha cirúrgica/agulha naquele posto de saúde perto de
casa... e tétano mata.
O tempo passa mais um pouco;
aproveitando uma promoção irresistível, você restabelece a internet doméstica;
está aberta a temporada de caça aos amigos que se afastaram quando os convites
eram sistematicamente recusados; refeitos os contatos, você seleciona os eventos
e aos poucos retoma a vida social, sempre comedidamente: quase não bebe, sai
pouco, evita comer fora de casa, mas curte muito no Facebook, Orkut (sim, ele
ainda resiste) e fica online o maior tempo possível no fim de semana, batendo
papos virtuais de madrugada (sempre de luz apagada pra evitar conta alta;
lembrete: isso pode forçar a vista...óculos custam caro) e tentando arranjar
mais um emprego pra equilibrar o ainda combalido orçamento. Pra melhorar o
currículo, faz cursos online grátis, encontrados via São Google. A idade é uma
barreira quase intransponível ,porém é preciso tentar. O cartão de crédito está
cancelado há tempos – na época da venda do carro, que serviu para abater boa
parte dos débitos mais pesados - mas você ainda não conseguiu pagar o
empréstimo bancário feito pra liquidá-lo.
Entre emoticons engraçadinhos
e muitas navegações em fóruns para aprender a elaborar planilhas financeiras,
um dia você aparece no banco e vê que seu gerente de banco voltou a notar sua presença
– sim, ele sorriu ao lhe ver, e estranhamente nele não há nenhum traço do
clássico sarcasmo ao qual você se acostumou, e que nesse momento parece fazer falta
- porque suas dívidas estão quase zeradas: falta só um ano e meio; chegando em
casa, cata na caixa do correio os dois novos carnês de crediários, agora
cuidadosamente arquivados na gaveta identificada com a etiqueta “PP”, que
significa “Pagar Pontualmente”, substituta dos antigos sorteios mensais (“Jogo
todas as contas pra cima; as que caírem no chão só vou pagar no mês que vem”).
Um banho, um lanche, e você
entra na internet pra ler mais algumas dicas de economistas sobre como poupar
com o objetivo de fazer o pagamento parcelado do Imposto de Renda e fazer bom
uso do 13º na quitação de débitos de fim e início de ano...e casualmente
descobre aquela pessoa. Com a força de um loop na Bolsa de Valores, nasce a
dúvida: ignorá-la ou ter um bom papo, mesmo que apenas virtual? Você conseguiu
evoluir em meio à crise; por isso perdoou-a (e a si também por ter sido tão
otário) e gostaria de dizer-lhe isso, para então seguir seu caminho em paz;
bom, e ela? O que fez nesse tempo? Curtiu muito no Facebook e for dele, se deu
bem em tudo, ou apanhou da vida também?
Vocês estão agora a uma tecla
de distância, pensando em todas as pressas, erros e indelicadezas cometidos
mutuamente ou não. O seu pedido de amizade foi silenciosamente aceito, mas sua
única mensagem – um pouco impessoal, quase padrão de internet – não foi
respondida. Tempos depois, ela emite apenas um discreto sinal de atividade.
Você dá um retorno sutil... e nada mais acontece. Você não libera adrenalina,
porque amadureceu. Sabe que é hora de ser paciente; consegue se lembrar que
aquela pessoa é orgulhosa e um pouco insegura, então decide deixar que ela faça
o próximo movimento... ou não. Agora já não importa agir, porque você se
superou. Nova e curta passagem de tempo.
Seu celular toca no fim de uma
tarde de primavera, como provam os ipês floridos que você enxerga a caminho do
trabalho noturno - afinal, hora-extra é indispensável - a bordo do novo carro
finalmente comprado em 60 quase suaves prestações, cujos juros embutidos
correspondem a um veículo popular zero km. É o seu gerente comunicando que seu
cheque especial ressuscitou com um novo limite, já disponível. Em seguida,seu
antigo cartão de crédito comunica que você merece uma nova chance.
Cauteloso, você agradece e educadamente recusa a proposta.
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Foto: Carvalho Pinto |
Milagres ou confirmação do fim
do mundo em 2012?
E a pessoa... Nem sinal.
Aguarde. Deixe fluir e medite em meio a esse ensurdecedor silêncio, como dizem os
esotéricos. Nada de convidar pra uma boa conversa pessoalmente. Você aboliu as
loucuras e adotou a prudência, não se esqueça.
Concretamente, o que fazer?
Desencanar e ir em frente com a calculadora na mão, sempre lembrando de que
você fez a sua parte em tudo: arcou com os ônus gerais e específicos.
Boa-sorte. Você vai precisar. E muito.
Título e Texto: Lícia Marques
Edição: JP
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Nossa! Vi boa parte da minha história aí. Ainda tenho esperança de terminar de pagar as contas que fiz para agradar e estar junto do que pensei ser o homem da minha vida. O tal homem não tinha a menor intenção ,disso e fiquei com o prejuízo das contas das contas, do amor não correspondido, e tudo o mais.
ResponderExcluirMas continuo acreditando no amor mas contas e carnês para agradar o outro nunca mais!
Teca D.
Oi,Teca D.
ResponderExcluirEscrevi baseada em histórias de amigas e amigos pertencentes a grupos que nem se conhecem.
Claro,misturei e deu isso aí: prejuízos afetivos e materiais em comum.
O bom é que vc - assim como essas pessoas - aprendeu a separar o sentimento do dinheiro. Amores, amores,negócios à parte.
Abrs
Lícia
:)
ResponderExcluirAbraço, Lícia.
Teca D.
:-)
ResponderExcluirOutro,Teca D.
Lícia