quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O campeonato da credibilidade

Passos Coelho provavelmente saberá, tão bem como todos nós, que este tipo de "tratamento" é insustentável se aplicado num prazo prolongado


Pedro Norton
Estátua romana em bronze,
"Hércules do Teatro de Pompeu", 
Museus Vaticanos, Roma.
Foto: Marie-Lan Nguyen, 2003
Comecemos pelo fim. Para variar. Um adicto que consumiu demais durante 20 anos não se desintoxica nem fica curado em seis meses. Que é como quem diz, a receita imposta a Portugal pela troika não vai dar bom resultado. Olhando o problema do estrito ponto de vista dos credores (que a troika representa, convém não esquecê-lo), pode até perceber-se a tentação de forçar o País a um esforço de desalavancagem brutal, num curtíssimo espaço de tempo. Mas a terapia é demasiado ortodoxa e o doente morrerá da cura. A menos que, versão otimista, alguém acabe por perceber isto a tempo (talvez depois da primeira fatalidade grega) e a receita se amenize.  
Dito isto, convém perceber o seguinte: Portugal compete no terrível campeonato da credibilidade. Genericamente percebido como mais um laxista país do Sul, merece tanta condescendência por parte da Europa civilizada como a que nós, cubanos, temos pela Madeira de Jardim. Zero. Ninguém se comove com os males de um país, desgraçadamente irrelevante, que viveu décadas acima das suas possibilidades. A nossa primeira tarefa - hercúlea, é certo - é, pois, a de recuperar um mínimo de credibilidade que nos permita depois, e só depois, reivindicar, na reconquistada qualidade de bom aluno europeu, condições e prazos para fazer um ajustamento financeiro minimamente realista.
Pedro Passos Coelho, estou convencido, entendeu isto. O momento é de aplicar cegamente a ortodoxa receita da troika. Com sangue, suor e lágrimas. Provavelmente saberá, tão bem como todos nós, que este tipo de "tratamento" é insustentável, se aplicado num prazo prolongado. Provavelmente saberá que o País se arrisca a ficar pelo caminho. Com uma classe média esmagada, uma economia em recessão profunda, um desemprego galopante. Mas sabe também, e nós temos obrigação de reconhecê-lo, que a alternativa, neste momento, é nenhuma. Precisamos de dar sinais inequívocos de que temos capacidade de sacrifício, de que somos governáveis, de que não somos os meliantes que os vários populismos europeus vão sugerindo.
Chegará o momento, se restar um mínimo de esclarecimento às elites europeias, em que se reconhecerá o óbvio. Talvez, repito, a Grécia tenha de soçobrar para que esse óbvio se torne ululante. Mas, no dia em que isso acontecer, Portugal terá de ter recuperado um estatuto de respeitabilidade mínima para reivindicar o direito a uma cura minimamente realista.
É nisso, julgo, que aposta o primeiro-ministro. Não me lembro de um orçamento tão brutal. E devo, aliás, confessar, porque tenho a sorte de fazer parte dos privilegiados deste país, que não consigo imaginar sequer o nível de sacrifício implícito para algumas das famílias mais desprotegidas e mais afetadas por tão draconianas medidas. Mas não me lembro também de um discurso tão frontal e tão corajoso como o que Passos Coelho proferiu ao País, na passada semana. E isso, deixem-me que vos confesse, surpreendeu-me pela positiva. O homem merece o benefício da dúvida.
Título e Texto: Pedro Norton, revista Visão, nº 972, 20 a 26-10-2011

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