Pedro Norton
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Estátua romana em bronze,
"Hércules do Teatro de Pompeu",
Museus Vaticanos, Roma.
Foto: Marie-Lan Nguyen, 2003
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Comecemos pelo fim. Para
variar. Um adicto que consumiu demais durante 20 anos não se desintoxica nem
fica curado em seis meses. Que é como quem diz, a receita imposta a Portugal
pela troika não vai dar bom resultado. Olhando o problema do estrito ponto de
vista dos credores (que a troika representa, convém não esquecê-lo), pode até
perceber-se a tentação de forçar o País a um esforço de desalavancagem brutal,
num curtíssimo espaço de tempo. Mas a terapia é demasiado ortodoxa e o doente
morrerá da cura. A menos que, versão otimista, alguém acabe por perceber isto a
tempo (talvez depois da primeira fatalidade grega) e a receita se amenize.
Dito isto, convém perceber o
seguinte: Portugal compete no terrível campeonato da credibilidade.
Genericamente percebido como mais um laxista país do Sul, merece tanta
condescendência por parte da Europa civilizada como a que nós, cubanos, temos
pela Madeira de Jardim. Zero. Ninguém se comove com os males de um país,
desgraçadamente irrelevante, que viveu décadas acima das suas possibilidades. A
nossa primeira tarefa - hercúlea, é certo - é, pois, a de recuperar um mínimo
de credibilidade que nos permita depois, e só depois, reivindicar, na
reconquistada qualidade de bom aluno europeu, condições e prazos para fazer um
ajustamento financeiro minimamente realista.
Pedro Passos Coelho, estou
convencido, entendeu isto. O momento é de aplicar cegamente a ortodoxa receita
da troika. Com sangue, suor e lágrimas. Provavelmente saberá, tão bem como
todos nós, que este tipo de "tratamento" é insustentável, se aplicado
num prazo prolongado. Provavelmente saberá que o País se arrisca a ficar pelo
caminho. Com uma classe média esmagada, uma economia em recessão profunda, um
desemprego galopante. Mas sabe também, e nós temos obrigação de reconhecê-lo,
que a alternativa, neste momento, é nenhuma. Precisamos de dar sinais
inequívocos de que temos capacidade de sacrifício, de que somos governáveis, de
que não somos os meliantes que os vários populismos europeus vão sugerindo.
Chegará o momento, se restar
um mínimo de esclarecimento às elites europeias, em que se reconhecerá o óbvio.
Talvez, repito, a Grécia tenha de soçobrar para que esse óbvio se torne
ululante. Mas, no dia em que isso acontecer, Portugal terá de ter recuperado um
estatuto de respeitabilidade mínima para reivindicar o direito a uma cura
minimamente realista.
É nisso, julgo, que aposta o
primeiro-ministro. Não me lembro de um orçamento tão brutal. E devo, aliás,
confessar, porque tenho a sorte de fazer parte dos privilegiados deste país,
que não consigo imaginar sequer o nível de sacrifício implícito para algumas
das famílias mais desprotegidas e mais afetadas por tão draconianas medidas.
Mas não me lembro também de um discurso tão frontal e tão corajoso como o que
Passos Coelho proferiu ao País, na passada semana. E isso, deixem-me que vos
confesse, surpreendeu-me pela positiva. O homem merece o benefício da dúvida.
Título e Texto: Pedro Norton,
revista Visão, nº 972, 20 a 26-10-2011
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