Com esta crise e com este
Orçamento, as regras mudam claramente. Resta saber se o Governo e o País se
conseguem manter em jogo
Pedro Camacho
Não existe deputado,
governante, dirigente político, economista, gestor ou qualquer outro
profissional da área económica que não soubesse, há já inúmeros anos, que este
dia negro chegaria. Talvez não o imaginassem tão trágico como este Orçamento do
Estado para 2012 o torna, mas não ignoravam, seguramente, que o dia do acerto
de contas teria de chegar.
Sabiam-no os de esquerda e
sabiam-no também os de direita. Nas áreas da Saúde, da Segurança Social, do
Ensino ou das Obras Públicas, toda a gente sabia que em matéria de parcerias
público-privadas, do setor empresarial do Estado ou da dimensão e do custo das
administrações públicas, vivíamos numa trajetória insustentável, aplicando
aquela máxima de que, em política e, sobretudo, em democracia, há coisas contra
as quais não vale a pena lutar, porque apenas se ganha um rótulo de
"comuna", de "fascista" ou de "louco". E, pior,
no fim, perde-se as eleições. É por isso muito mais cómodo alinhar com as
maiorias do momento e com as forças de sempre, estejam elas ligadas ao
influente patronato financeiro ou aos poderosos lóbis político-sindicais. E foi
assim, com plena consciência do que vinha acontecendo nos últimos anos, que
chegámos ao momento de bater na parede, ficar sem alternativa e apanhar com
este Orçamento do Estado.
Mais corte, menos corte, mais
injustiça, menos injustiça, mais IVA aqui ou acolá, há já muito tempo que se
sabia que tínhamos ultrapassado a barreira da crise para mergulhar no buraco da
catástrofe. Andámos a viver anos a fio acima das nossas possibilidades. E
fizemo-lo durante tanto tempo, e por força de tantas variáveis, que é injusto
tentar descobrir os autores deste "crime" - salvaguardando, claro
está, situações em que a Justiça assim o exija e a palavra crime deva ser lida
literalmente.
Este é o mais penalizador
Orçamento da democracia. Para a função pública, desde logo, porque os funcionários
são severamente atingidos - no corte de subsídios, no congelamento de salários,
na extinção de serviços, na redução das prestações pagas aos excedentários...
Mas é um Orçamento que penaliza também fortemente os trabalhadores do setor
privado. Não é só por causa das inúmeras medidas de natureza fiscal, que se vão
traduzir, direta e indiretamente, em cortes muito significativos do seu
rendimento disponível, um fardo que, aliás, partilham de forma igual com os
colegas do setor público. É, sobretudo, porque as empresas privadas acabam
sempre por aplicar receitas mais duras aos seus trabalhadores do que a bitola
estabelecida pelo Estado para os funcionários públicos. Vão-se multiplicar as
renegociações individuais, ou de empresa, das cláusulas de trabalho, vão surgir
as reduções voluntárias de salários, vão regressar as vagas de despedimentos...
Tudo isto irá, seguramente, acontecer aos trabalhadores do setor privado,
dentro da lei ou à margem dela, somando novos sacrifícios a esforços de
contenção que duram há já vários anos - anos em que o setor público manteve uma
trajetória festiva e imprudente de aumento de custos.
Este é um Orçamento de
excessos. Excessos nos cortes a serviços públicos essenciais. Na supressão de
apoios às famílias e nos aumentos da carga fiscal. Que exige excessos nas
privatizações e na velocidade de reestruturação do Estado. Que fará crescer o
já elevado nível de trabalho precário, que lançará muito mais gente no
desemprego e que determinará o fecho de muitas empresas. É tudo isto. Mas havia
outra solução?
É verdade que
"amanhã" pode-nos cair no colo um perdão parcial das nossas dívidas.
Que a União Europeia talvez desencante um qualquer fundo milagroso que
desbloqueie o impasse em que vive a nossa banca, e, por arrastamento, o nosso
tecido empresarial. Ou que a troika conclua que o calendário de metas
estabelecido para o défice português é um suicídio. Seriam dádivas dos céus.
Mas a questão não é essa. Enquanto tal não acontecer, existe outra solução?
E falta também, neste orçamento,
a resposta à pergunta de "um milhão de dólares". Como é que vamos
crescer? Como se compensam as medidas recessivas? Deixando de lado a resposta
básica das exportações (existe alguém no mundo que não as aponte?), há muita
gente a fazer aquela primeira pergunta... mas não se ouvem sugestões credíveis
de soluções com efeito imediato...
Este é um Orçamento de
recessão, de pobreza, de desespero. É um orçamento "feito à medida do
credor, e está tudo dito", expressão certeira que ouvi a um conhecido
economista. Mas... havia alternativa? E, no fim, vai valer a pena? Renegociar
prazos, metas ou montantes é uma iniciativa que tem de partir de fora, sob pena
de pagarmos um preço bem mais alto do que a fatura que hoje temos pela frente,
afunilando ainda mais as nossas estreitas opções de financiamento. Já quanto à
segunda questão, só mesmo o futuro o dirá. Nesta resposta, há uma dose de
inevitabilidade que se assume, mas também uma base de conforto que é óbvia e
que só não vê quem não quer: investimento público já nós fizemos, e aos
milhões, e falidos também já estamos.
Este deverá ser o primeiro de
muitos orçamentos "contidos", de reestruturação das administrações
públicas, de mudança do padrão de crescimento económico e de recusa de
clientelismo de Estado - e era bom que algumas destas coisas se mantivessem,
seja com este seja com qualquer outro Governo. Mas também é, seguramente, um
orçamento de muito curto prazo.
Por necessidade ou por opção
política, eventualmente pelas duas razões, o Estado vai desaparecer rapidamente
da economia, dando origem a um "desmame" violento. Não serão, por
isso, precisos mais de seis meses para percebermos - e mostrarmos aos outros -
se somos capazes, ou não, de viver nesse mundo diferente para onde nos leva
este Governo do PSD/CDS. Além disso, dada a violência do remédio que é
aplicado, será também curto o tempo de estado de graça que os cidadãos estarão
disponíveis para dar ao Governo.
Título e Texto: Pedro Camacho,
revista Visão, nº 972, 20 a 26-10-2011
Edição: JP
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