quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A guerra dos mundos

Criação: Gon
Não é o PR preocupado com a Constituição que fala: é o criador do 'monstro'
Filipe Luís
A divisão entre portugueses está na berlinda. Os políticos e dirigentes da sociedade civil, que tanto fazem por dividir a sociedade entre exploradores e oprimidos, trabalhadores e patrões, esquerdistas e reacionários, madeirenses e continentais, benfiquistas e o resto do mundo, puxam agora do seu saco de lágrimas de crocodilo para baterem no peito contra a tentativa governamental de "dividir os portugueses" entre funcionários públicos e empregados do setor privado. E tudo porque os próximos orçamentos de Estado cortam os subsídios de Natal e de férias aos primeiros - sabendo-se, de antemão, que acabará por sobrar para os segundos...
Cavaco Silva insurgiu-se contra a quebra do princípio de equidade fiscal a que a Constituição obriga. Mas não é o Presidente preocupado com as regras constitucionais que fala: é o criador do "monstro", o mentor da progressão nas carreiras e o autor dos célebres "direitos adquiridos". Para já, Cavaco cataloga de "fiscal" uma medida que, tecnicamente, não é apresentada como tal. Mas dando isso de barato... Vejamos onde está a iniquidade.
A esmagadora maioria, senão a totalidade, dos 800 mil desempregados tem origem no setor privado e não no setor público. As empresas privadas falidas fecham. Mas as do Estado mantêm-se abertas, agravando o défice e a dívida, enquanto os seus trabalhadores continuam a receber 14 meses, a tempo e horas. Por falar nisso: o setor privado está crivado de salários em atraso. No setor público, há uns meses, houve uma tempestade por causa de um atraso de um dia(!) no pagamento de vencimentos da responsabilidade do Ministério da Defesa. O regime de reformas é muito mais favorável na administração púbica, na idade e no salário, e os funcionários dispõem de uma ADSE inexistente nos privados.O setor privado está há três anos a efetuar muitos dos reajustamentos que só recentemente o setor público vem fazendo: baixa de salários, negociação com perdas de regalias (folgas pagas por trabalho em feriados, horas extraordinárias, etc.). Um doce, portanto, a quem provar que existe equidade entre público e privado. Um doce algarvio, neste caso, para Cavaco Silva.
A inevitável perda de subsídios (que aí vem, sob a chantagem dos alternativos despedimentos...) vai sacrificar muito mais os já indefesos trabalhadores do setor privado. Que, diga-se de passagem, na prática, nem sequer podem fazer greve. Nem nisto há equidade com o setor público...

2 Sem demagogia, as pensões vitalícias para os antigos detentores de cargos políticos obedecem a um princípio justo: trata-se de os compensar pela, hipoteticamente irrecuperável, interrupção das carreiras privadas, durante o período em que serviram a causa pública. Ora, a realidade é que, na quase totalidade dos casos, os ex-políticos conseguiram, na atividade privada, depois de terem deixado os cargos, colocações bem melhores e mais bem pagas do que anteriormente. Ou seja, o motivo inicial da atribuição da pensão foi completamente pervertido. Apesar disso, continuaram a auferir desse benefício, que o erário público suportou alegremente. Em Portugal, o exercício da atividade política é uma catapulta para altos voos na privada. Em vez de receberem uma pensão, estes cidadãos deviam pagar um imposto.
Título e Texto: Filipe Luís, revista Visão, nº 973, 27-10 a 02-11-2011

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