quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Acorda, Portugal

Carlos Carreiras
Imagem: Elisabete Neves
Preto no branco, Michael Porter assumia que ou Portugal reinventava o seu modelo económico ou a nossa economia definharia
Qual o caminho para o crescimento? Como podem as empresas portuguesas afirmar-se no mundo? Qual o segredo para Portugal atingir o estatuto de economia desenvolvida, competitiva e solidária? Estas e outras perguntas, que hoje repetimos vezes sem conta, passaram pela cabeça de Mira Amaral quando, em 1994, o então ministro da Energia e Indústria de Cavaco Silva decidiu procurar as respostas junto do maior especialista em estratégia e competitividade. Elas surgiram em 269 páginas, naquele que ficaria conhecido como “Relatório Porter”. Preto no branco, Michael Porter assumia que ou Portugal reinventava o seu modelo económico ou a nossa economia definharia. O mandato de Cavaco Silva acaba um ano depois, em 1995, e com ele o sentido estratégico e de missão apontado aos portugueses pelo “relatório”. Quase 20 anos, alguns Presidentes da República e primeiros-ministros depois, onde está Porter? Na economia portuguesa mora quase em exclusivo nos seus prognósticos mais pessimistas. “Portugal decidiu não mudar”, dizia Porter já este século. Arrisco dizer que Portugal mudou, sim, mas para pior e para longe da direcção por ele proposta. Mudou para ter mais despesa pública e para assistir a um crescimento mais lento da produtividade. Passou do bom aluno da Europa em 1994 para, depois de 13 anos de socialismo, o segundo país do mundo com maior risco de bancarrota em 2011.
Se hoje aterrasse na Portela, Porter talvez voltasse a repetir o que disse em 1994: Portugal precisa de um novo modelo económico capaz de dar músculo ao país e às empresas nacionais no mercado global. É isto que está na agenda do governo e a mudança de ciclo vislumbra-se nas reformas estruturais levadas avante por todos os ministérios, contra as resistências. Resistências de gente como os 600 estivadores que se comportam como senhores feudais dos portos, ameaçando toda a economia nacional. Resistências de uma esquerda que vê fantasmas em tudo e mais alguma coisa e que não compreende que a questão que se coloca ao futuro de Portugal é menos sobre a ideologia do Estado e mais sobre a sua sobrevivência. Foi por causa dessa esquerda, e também por causa de uma certa direita com responsabilidades executivas, agora confortavelmente sentada na tribuna do comentário, que Portugal amealhou 20 anos de erros que a actual geração de políticos tem de limpar. Ao contrário do que sugere Mário Soares, esta não é a pior geração de políticos dos últimos 50 anos. E ainda que fosse verdade, então é caso para dizer que, pelo menos no caso português, essa geração teve bons mestres.

A democratização da economia de que nos fala Passos Coelho aponta para um novo modelo económico preconizado por Porter. No entretanto perdemos quase 20 anos e os agentes ao serviço da hipocrisia nacional querem que percamos mais 20. Foi isso que ficou patente na discussão sobre a deslocalização da sede social da Jerónimo Martins (JM). Alguns falaram de fuga ao fisco quando se trata de um caso de acesso aos mercados. Outros falaram de boicote aos produtos do Pingo Doce (já agora, para comprar onde? Na Sonae, que também tem sede na Holanda? Ou no Grupo Auchan, francês? Talvez prefiram o germânico Lidl ou, eventualmente, a mercearia chinesa lá do bairro?) quando está em causa a internacionalização de uma empresa portuguesa – que foi “apenas” a 19 de 20 empresas cotadas em bolsa a fazer as malas para a Holanda. O “caso JM” é paradigmático do país que temos: pensamos em perseguir uma empresa em vez de aplicar políticas para captar investimento; condenamos um dos nossos maiores empregadores e ignoramos quem delapidou Portugal; invejamos a Holanda mas continuamos a comportar-nos como a Albânia.
Num dos últimos ataques de histerismo colectivo expulsámos os judeus – precisamente para a Holanda – e demorámos 400 anos a perceber o erro. Aparentemente, ainda hoje há quem tenha dúvidas se foi um disparate. Está na hora de acordar. Acorda, Portugal!
Título e Texto: Carlos Carreiras, jornal “i”, 11-01-2012

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