quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Erasmus - É em Coimbra que os estudantes estrangeiros aprendem a dizer saudade

Márcia Oliveira
Este ano lectivo, Coimbra recebeu 749 alunos estrangeiros. As tradições académicas convencem-nos de imediato, mas a língua é sempre o maior problema

Coimbra, foto: JP, 29-12-2011
“Coimbra é uma lição, de sonho e tradição. O lente é uma canção e a Lua a faculdade. O livro é uma mulher, só passa quem souber e aprende-se a dizer... saudade.” Este fado de José Galhardo é um dos hinos de Coimbra e tem sido um lema daqueles que vivem na cidade durante curtos espaços de tempo, como é o caso dos estudantes de Erasmus. De Espanha à Rússia passando pela Lituânia até ao Brasil são variadas as origens das centenas de estudantes que todos os anos escolhem Coimbra para fazer parte do seu currículo académico. As principais razões incluem a história e a tradição da cidade.
Em Coimbra há actualmente 749 alunos estrangeiros no programa Erasmus (só de Espanha chegam 246 alunos), num total de 82 nacionalidades: no fim de contas, 18,33% dos cerca de 20 mil alunos da universidade são estrangeiros.

Pinar Ersoy, turca, foi uma das alunas que estiveram a estudar na Universidade de Coimbra ao abrigo do programa Erasmus. Viveu ali durante seis meses, o suficiente para se apaixonar: “Adorei o rio Mondego. Ia todos os dias às docas para tomar o pequeno-almoço, sair à noite ou simplesmente para ir ver o rio e os patos”, diz, não conseguindo disfarçar o sorriso. A jovem de 22 anos recorda vários momentos marcantes, mas o mais flagrante confessa que é o significado do seu nome no calão português. “A memória mais engraçada que tenho é, sem dúvida, o que quer dizer o meu nome. Nem vale a pena falar nisso, acho que podem imaginar. Todos os portugueses faziam piadas sobre isso”, diz. Contudo, a estudante de Economia não levou a mal o sentido de humor português e descreve os lusitanos como pessoas prestáveis: “Mesmo quando não sabem falar inglês, tentam e ajudam sempre”, explica.
Embora na Turquia haja festas estudantis parecidas com a Queima e a Latada, a jovem conta que ficou surpreendida com o cortejo académico, evento que descreve de forma simples: “É uma celebração em que durante um dia inteiro os estudantes tomam banho de cerveja.”

Javier Sanjurjo, espanhol, teve mais sorte e permaneceu um ano na cidade dos estudantes. Ao i diz que escolheu Coimbra porque tinha ouvido falar no ambiente universitário de Portugal e considera que não foi enganado: “As minhas primeiras impressões foram positivas. Mal cheguei senti-me em casa e pressenti logo que ia ser um ano formidável”, recorda. O estudante de Arquitectura conta que o que mais gostava era de acordar de manhã e não saber como nem onde iria acabar o seu dia. “Em Coimbra é tudo imprevisível. Há sempre barbecues, festas, concertos. A cidade não pára”, relembra o espanhol de 24 anos, acrescentando que foi nestes eventos que conheceu aqueles que hoje considera os seus melhores amigos. Para Javier, o melhor sítio que existe na maior cidade é a Praça da Sé Velha. Talvez por isso o jovem diga que a melhor memória que guarda é da Serenata da Queima das Fitas: “Foi absolutamente mágico”, diz.

Coimbra, foto: JP, 29-12-2011
Mireias Planas, conterrânea de Javier, optou por Coimbra convencida por um amigo que já tinha feito ali Erasmus. “Ele ficou apaixonado. Só dizia que tudo era um encanto: muita tradição académica, muitas festas e lugares incríveis”, conta a espanhola. Depois deste discurso, Mireia não resistiu e arriscou. À semelhança de outros estudantes estrangeiros, rendeu--se no primeiro minuto: “Mal cheguei ajudaram-me a procurar casa e nos assuntos académicos”, relembra. A aluna de Animação Socioeducativa deixou-se envolver pela mística coimbrã e não resistiu a experimentar tudo aquilo a que tinha direito: Festa das Latas, Queima das Fitas, praxe, Serenata, jantares de cursos e até foi baptizada no rio Mondego. “Viver tudo isto foi incrível. Ver tanta gente junta nas ruas a cantar, a dançar, a beber, poder fazer parte desse mundo... Não há palavras para descrever”, afirma. Para a espanhola não existe nenhuma tradição académica no mundo como a de Coimbra e ainda reforça que toda esta experiência mudou a sua vida. “Coimbra tem tudo: história, tradição, modernidade, festa, boa comida e bom vinho.” Aliás, com tantos convívios, Mireias chega mesmo a admitir que o que recorda com mais carinho são os momentos em que jogava às cartas, bebia traçadinho e, de repente, alguém começava a cantar: “Mão direita, mão direita é penálti” e todos bebiam o copo cheio sem intervalos. “Era incrível”, finaliza.

Christin Ottersted tinha apenas um objectivo quando veio para Coimbra: aprender a falar português. Infelizmente, mesmo com os seis meses que passou em Portugal, a alemã não conseguiu dominar a língua de Camões. “É muito difícil aprender a língua”, lamenta. Essa crítica é comum à maioria dos estudantes estrangeiros, que se queixam da dificuldade de acompanhar as aulas e de alguma falta de apoio para aprender português.
Felizmente, isto não criou nenhuma barreira para a alemã Christin Ottersted. “Adorei Coimbra desde o início. As pessoas são simpáticas e hospitaleiras”, afirma. Mas, como não há bela sem senão, o que foi realmente difícil foi a adaptação ao estilo de vida: “A vida é mais relaxada que na Alemanha, onde somos muito mais rígidos. Seja nos prazos de trabalhos, seja na burocracia académica, em Portugal tudo é vivido de uma forma mais calma. Custou a habituar-me, mas no final já gostava disso”, confessa. A alemã admite que o seu passatempo preferido era passar as tardes à beira do rio Mondego e ver os estudantes vestidos com o traje académico, que foi o que mais a fascinou na tradição coimbrã.

Para Cristina García Marrufo, a capa e batina dos estudantes foi um “choque”. Segundo a espanhola, a primeira impressão que teve quando chegou e viu todos os alunos do ensino superior de preto é que eram discípulos do Harry Potter. 

Feitiçarias à parte, para Igor Lebedev o verdadeiro choque quando chegou à cidade dos estudantes foi outro, bem mais difícil de ultrapassar, e as diferenças entre Portugal e a Rússia foram um verdadeiro desafio. “A maior diferença que senti foi o clima. Gosto de calor e havia muito mais sol aqui do que no meu país”, esclarece. Isto para não falar do pouco frio que se sente em Portugal quando comparado com a Sibéria: “Fazia-me confusão não existir neve. Foi uma grande surpresa nunca nevar em Coimbra. Antes não conseguia imaginar sequer um Inverno sem neve”, afirma o estudante. Outra grande mudança sentida por Igor foi a falta de chá ou café nas cantinas estudantis para beber durante as refeições. “Na Rússia costumamos acompanhar a comida com bebidas quentes, ao contrário do que acontece em Portugal”, conta.

Já o que mais surpreendeu Francesco Monamaco foram as imensas oportunidades académicas que Coimbra oferece aos estudantes: “No meu país não existem tunas nem convívios e muito menos uma associação académica. Fiquei também surpreso pelo papel de absoluta importância que em Coimbra tem o ensino superior”, declara o italiano.

Embora muitos admitam que em Portugal a burocracia é demasiado “lenta” e “confusa”, o leque dos 84 cursos que existem na Universidade de Coimbra (UC) consegue cativar os estudantes. Alguns estrangeiros decidiram mesmo vir para a UC devido ao seu prestígio internacional. Em relação aos professores, os estudantes dividem-se: uns dizem que estes foram “sempre prestáveis”, outros que “pareciam fugir deles”. 

Lorena Xavier Aquino sublinha que, no seu caso, gostou mais do curso de Jornalismo em Portugal que daquele que frequentou no Brasil, por ser “muito mais prático”.

ENCANTO DA DESPEDIDA
Coimbra encanta, mas cansa. Para todos os estudantes estrangeiros, o único ponto negativo da cidade é geográfico. São as ruas íngremes, chamadas por muitos verdadeiras “montanhas”. Mas nem isso os demove da opinião que formaram sobre aquela que muitos chamam “cidade perfeita”.
Título e Texto: Márcia Oliveira, jornal “i”, 25-01-2012
Edição: JP

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