domingo, 29 de janeiro de 2012

Na Cabralândia - a barbeiragem no Rio: deram prioridade à remoçao de entulho, não à procura de sobreviventes. Ou: marketing fora de controle

Reinaldo Azevedo
Reproduzi ontem trechos de três notícias na Folha sobre o desabamento dos prédios no Centro do Rio. Todos os títulos abriam com a palavra “Cabralândia”. Alguns leitores, talvez fãs do governador Sérgio Cabral (PMDB), reclamaram: eu o estaria culpando! Não!, Não pelo desabamento! Ao contrário até: eu me oponho à ligeireza com que setores da imprensa, especialmente de São Paulo, metem o microfone na boca de autoridades para que expliquem determinadas ocorrências que podem, muitas vezes, ser frutos, sim, da desídia do Poder Público, mas que se arrasta por anos, e as autoridades de turno não são pessoalmente responsáveis por ela. É claro que lhes cabe encaminhar soluções. Mas é preciso haver ponderação. O que me choca e me escandaliza no caso do Rio é outra coisa, e vou deixar tudo muito claro.
O Rio não é a primeira cidade do mundo a assistir a desabamentos. Volta e meia, cidades são sacudidas por terremotos — o nosso “sismo” costuma ser a incompetência mesmo, né? Assisti na televisão, com torpor, antes mesmo de se completarem 24 horas da tragédia, à ação de retroescavadeiras. Não sou especialista no assunto. De jeito nenhum! Eu não sei conduzir nem automóvel; imaginem, então, uma estrovenga daquelas… Mas não sou idiota. Costumo usar a lógica elementar para me conduzir no dia-a-dia. Essas máquinas fazem um barulho infernal. Se sobreviventes houvesse por ali, o ronco do motor e a gritaria no canteiro da tragédia abafariam seus gemidos. Procurem as imagens das primeiras horas de terremoto no Japão, na Turquia e até no Irã. O trabalho é manual. Essas máquinas entram muito depois.
Peço que vocês assistam a essa reportagem do Jornal da Globo, levada ao ar na quinta à noite, um dia depois da tragédia. Volto em seguida.


Vejam as retroescavadeiras. A reportagem remete ao trabalho ao longo daquela quinta, dia 26, horas depois dos desabamentos, ocorridos na noite do dia 25. E as máquinas já estavam lá. Consta que se fazia um momento de silêncio, todos apuravam os ouvidos. Ninguém escutando nada, aquelas manoplas entravam em ação, com a delicadeza que se supõe… Ocorre que havia pessoas soterradas, que ainda podiam estar vivas — por que não?
Leiam isto:
“Passadas as primeiras 24 horas em que a gente manteve a esperança de encontrar sobreviventes, agora a gente lida com outra realidade de admitir que realmente os corpos que vão ser resgatados não têm mais possibilidade de sobrevida”.
A fala é de Sérgio Simões, coordenador da Defesa Civil. Procurei material a respeito. Em ocorrências assim, não há protocolo que estabeleça prazo tão curto. Pesquisem: há casos de pessoas que sobrevivem por uma semana porque tiveram a sorte de ficar numa bolha de ar, que recebia ou água da chuva ou de um encanamento estourado. Os salvamentos dessa natureza são sempre dramáticos e rendem histórias impressionantes porque não existe a regra do “desabou, matou”. Decretar o fim das esperanças depois de 24 horas me parece um despropósito, uma precipitação, com todo o respeito ao profissional em questão.

O horror, o horror
Ora, dada a maneira como as coisas se conduziram, alguém estranha que um corpo tenha sido encontrado junto com os entulhos? Agora leio que os cães vão procurar mais cinco, que podem ter tido o mesmo destino. Desculpem! Não quero, não, fazer proselitismo com a tragédia, mas isso é inaceitável! Um único, o caso já comprovado, demonstra a estúpida imperícia da operação. Cabe toda sorte de especulação, e a mais óbvia é esta: “Estaria mesmo morta aquela pessoa quando a máquina tocou em seu corpo?” É muito provável que sim! Ainda assim, há o decoro necessário com os mortos e o respeito devido às suas respectivas famílias, que à dor da perda vêem se somar essa forma de vilipêndio de cadáver. Pouco me importa o partido do governador Sérgio Cabral ou do prefeito Eduardo Paes. Que a coisa não andou bem por lá, aquele corpo o evidencia. E pedaços de outros cadáveres já apareceram no entulho. Isso para não falar do roubo — o nome é esse — de bens e pertences dos usuários dos prédios. Tenham paciência!
Referi-me a “Cabralândia” porque poucos governantes gostam de viver numa bolha de fantasia como Sérgio Cabral — e colabora para tanto, é fato!, parte considerável da imprensa carioca. Eu já vi este governador chorar porque o Congresso votou uma redivisão dos royalties do petróleo que eu também acho injusta com o Rio — já escrevi a respeito. Eu já vi esse governador liderar uma passeata de milhares de pessoas, convocando, assim, seus sentimentos nativistas por causa do óleo… Vá lá. Mas por que Cabral, de forma sistemática, organizada, metódica, deliberada, se ausenta sempre que uma tragédia colhe a cidade ou o estado? Eu nem recomendaria que ele fosse irrigar com lágrimas os corpos dos soterrados da região serrana, do Morro do Bumba ou agora dos prédios do Centro. Preferiria, na verdade, que ele não tivesse chorado por causa do petróleo (uma reação, assim, um tanto mômica…). O fato é que ele costuma sumir nessas horas.
É possível que leis falhas da Prefeitura e omissões variadas tenham concorrido para a tragédia. É, sim. Mas, ao menos, o prefeito Eduardo Paes se mostrou presente desde as primeiras horas. É assim que se faz. E é assim que Cabral deveria fazer. Eu sei que ele não resgataria corpo nenhum, mas também não é ele que responde pela alegria do Carnaval, não é? Mas sempre está presente.

Assessoria destrambelhada
A assessoria de Cabral anda um tanto destrambelhada. Jornalistas e internautas nas redes sociais cobravam: “Onde ele está?” O governo divulgou a agenda e aproveitou a oportunidade para fazer uma espécie de propaganda dos feitos do herói. Leio o seguinte texto no Globo Online (em vermelho). Volto em seguida.
A assessoria do governador Sérgio Cabral esclareceu pontos sobre a sua agenda desde o dia da tragédia:
A respeito da agenda do dia 26, a assessoria informa que “às 17h, o governador estava em agenda pública no Complexo do Alemão para troca de Comando da Força de Pacificação, com o ministro Celso Amorim, o secretário José Mariano Beltrame, o Comandante do Exército e demais autoridades. O governador falou sobre a troca de comando e sobre o desabamento em pronunciamento. Em seguida, em entrevista à imprensa, respondeu perguntas sobre o desabamento”.
No dia seguinte, segundo a assessoria, por decisão do governador, foi suspensa a participação “em agenda festiva de entrega de 68 viaturas para as Defesas Civis e Guardas Municipais de Itaperuna, Italva, Laje do Muriaé, Santo Antônio de Pádua e Sapucaia, municípios atingidos pelas chuvas de janeiro de 2012 Recebeu os prefeitos no gabinete do Guanabara no mesmo horário, mas as viaturas foram entregues pelo secretário de Governo, devido ao desabamento”.
A assessoria informa ainda que foi cancelada e adiada a agenda do dia 26, sobre a assinatura do termo de adesão ao programa de combate ao crack, onde estariam presente ministros, “devido ao momento do Rio por conta do desabamento”.
Segundo a assessoria, o governador também cancelou e adiou a inauguração da ponte estaiada, com a presença da presidente Dilma Rousseff, na sexta, dia 27.
A assessoria informa ainda que, no primeiro momento da tragédia, o governador foi informado pelo coronel Sérgio Simões, secretário de Defesa Civil, e enviou secretários para dar suporte ao trabalho:
“O governo está e se faz presente com as ações imediatas, que têm a coordenação do governador”.
Voltei
Bem, avaliem vocês mesmos se havia ou não tempo para dar uma passadinha no local da tragédia. O que parece é que Sérgio Cabral acha que o governador fica bem nas imagens de cartão postal, nas festas e nas solenidades em que aparece oferecendo benefícios ao povo. Ninguém pode condená-lo por isso, claro! Ocorre que, nem tão de vez quando, há deslizamentos, soterramentos, desabamentos, enchentes… E ele governa o estado também nessas horas. Ou não? Abstendo-se, as coisas acabam resultando no mal adicional que se viu na região serrana: depois das chuvas e dos soterramentos, vieram a roubalheira, a incompetência e a paralisia.
Acreditem: um dia ainda iremos nos espantar com os métodos empregados para “resgatar” as vítimas dos prédios que desabaram. O Rio precisa parar de aceitar passivamente que determinados sítios se transformem em cemitérios naturais.
Está na hora de a imprensa carioca ser um pouco mais severa com Sérgio Cabral. Isso não vai prejudicar a Copa do Mundo e a Olimpíada. Pode até ajudar. O espírito crítico não significará falta de amor ao Rio. Pode ser justamente o contrário.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 29-01-2012
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