Em relação ao Brasil, alguém
já constatou que somos um povo em nada original. A cada 15 ou 20 anos - 30, no
máximo - estamos condenados a repetir os mesmos erros da etapa anterior, sempre
convictos de que a mudança da ocasião é ímpar e, portanto, única em nossa
História. Isso se deve, em grande parte, ao cristianismo e ao seu conceito de
"flecha do tempo". Para a maioria das civilizações, o tempo é
cíclico, para não dizer "circular". Para nós, não. Se, ao contrário,
pensássemos como os outros, certamente nos teríamos poupado de um sem-número de
dissabores. Mas o que há de se fazer?
Sou adepto da tese de que a
História se repete, sim. E ai daqueles que não se acautelam contra isso. Como
os raios, que caem frequentemente nos mesmos lugares, as enchentes e as secas
se alternam com a mesma frequência e, no que tange à política nacional,
ditaduras e democracias sempre se alternam no poder. E sempre haverá salvadores
da Pátria, mesmo que pouco lhes importe saber se a Pátria deseja realmente ser
salva.
Para comprovar esse raciocínio
basta lembrarmos o que era e almejava o Brasil de 36 anos atrás. O ano de 1977
foi marcante para mim, pois foi quando entrei na faculdade. Com a abertura
política durante o governo Ernesto Geisel, já se prenunciava o ocaso da
ditadura militar, enfim consumado em 15 de março de 1985, com a saída do
Planalto do general João Figueiredo.
Às vésperas da transição para
a chamada Nova República, o clima era de fim de festa. Os militares, ao menos
os mais sinceros e idealistas, queriam realmente deixar o poder. O que temiam
eram represálias. Todavia o presidente eleito, Tancredo de Almeida Neves, com
sua experiência e sua autoridade moral, garantiu-lhes que nada disso
aconteceria. Tancredo já havia dialogado com todas as lideranças representativas
da Nação e arrancara de cada uma delas o compromisso de manter a paz, custasse
o que custasse.
Assim sendo, nada impedia uma
transição pacífica. Quer dizer, nada a não ser a saúde do próprio Tancredo
Neves. Os fados do tempo sempre nos pregaram peças... E foi justamente no dia
anterior à posse que eles ressurgiram e terminaram por nos infligir a morte do
futuro presidente da República, depois de longa agonia, em 21 de abril de 1985.
Na manhã de 15 de março o
Congresso Nacional empossara o vice interinamente. E logo surgiu uma suposta
lista de ministros escolhidos por Tancredo, cuja autenticidade, se ninguém
podia comprovar, tampouco se atreveria a contestar publicamente. O documento,
divulgado postumamente, deu força de lei ao que hipoteticamente seria a vontade
de Tancredo Neves. Assim, José Sarney assumiu a Presidência com um Ministério
que estava longe de ser o de sua escolha pessoal.
Tudo isso custaria muito caro
à Nação. A torrente de "gastos sociais" aprovados por muito pouco não
levou o País à bancarrota. Mas levou ao FMI, o que, na prática, dava na mesma.
O Brasil tornara-se um pária do mercado internacional.
Esses fatos, somados a outros
tantos, começaram a abrir caminho para a hipótese PT. E esta acabou por se
tornar viável nas eleições de 2002.
O Partido dos Trabalhadores
funcionava como uma verdadeira orquestra. Cada um de seus membros - foi provado
depois - sabia exatamente como agir ou deixar de fazê-lo. No comando de todos
estava José Dirceu - personagem singular e fascinante, que sempre traiu, mas
nunca fora traído, foi mais esperto que os irmãos Fidel e Raúl Castro e virou
herói de guerra sem nunca ter entrado em combate. Também fez fortuna sem jamais
ter trabalhado. Segundo a acusação na Ação Penal 470 (mensalão), Dirceu era
nada menos que o cérebro de uma "organização criminosa". Ele foi o
guardião das moçoilas do interior, bem como objeto de desejo das balzaquianas
das capitais. Por sinal, uma delas frequenta as páginas das revistas e consta
que ganha muito dinheiro traficando influência e "facilitando"
negócios espúrios.
Mas agora, completando mais um
ciclo, o pêndulo da História dá evidentes demonstrações de que caminha para o
lado oposto. Eis que surge uma chapa para concorrer à próxima eleição
presidencial que se lastreia na ética como o seu principal trunfo. Aliás, se
não fosse assim, nem sequer teria razão de existir. O voto em Marina Silva
brota do descontentamento das ruas. E as ruas, como está patente desde junho,
não estão dispostas a tolerar o menor deslize que seja.
Como eu defendia no início
deste artigo, o tempo é cíclico. E com a mesma certeza com que esperamos pelo
verão após a primavera e pelo dia após a noite, sabemos que depois da
tempestade sempre vem a bonança - ou a enchente, segundo os mais pessimistas...
O PT abusou do
"direito" de delinquir. Enquanto a economia parecia ir bem, o povo
tolerou os seus desmandos. Não é mais o caso. A economia estagnou, a inflação
ameaça disparar e nós descobrimos que o sonho do Brasil potência que
acalentávamos não passou disso mesmo: foi apenas um sonho, mais um em nossa
atribulada vida.
Agora, depois de todas essas
barbaridades, um novo ciclo, que é a antítese do atual, se apresenta no
horizonte, com Eduardo Campos, moralmente avalizado por Marina Silva. É o
avesso do que temos visto, ao menos nos últimos dez anos
Por menos que se queira,
Eduardo e Marina representam, sim, um alento de renovação na política
brasileira. Ela é evangélica e intransigente defensora da preservação das matas
e do "povo dos bosques", de acordo com suas próprias palavras. Seu
modo de se exprimir trai uma espécie de ingenuidade rara de se ver. E indica
também as suas convicções. Ele, por sua vez, traz a fama de excelente
administrador.
Falta-nos saber se Eduardo
Campos é, como Bayard, un chevalier sans peur et sans reproche (um cavaleiro
sem medo e sem jaça, em tradução livre). Mas agora não nos cabe sequer
desistir. A pior das renúncias, sem dúvida, é a renúncia à esperança.
Título e Texto: João Mellão Neto, O Estado de S. Paulo, 18-10-2013
*João Mellão Neto é
jornalista, foi deputado, secretário e ministro de Estado.
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