Helena Garrido
O Verão está a chegar ao fim. Quem por cá ficou adorou o bom tempo de
praia. Voltamos à realidade. Vamos continuar a viver no fio da navalha. Mas
pode (ainda) ser diferente.
Qual é o problema que está a condicionar mais o
nosso crescimento e a colocar de novo Portugal no grupo dos países em risco? A
dívida total da economia é a resposta óbvia. Parece, então, igualmente óbvio,
que a principal prioridade da política económica deve ser aliviar essa
restrição financeira.
Há um consenso prévio para este caminho. É preciso
que os partidos que governam o país concordem que a reestruturação da dívida é
uma solução fora das nossas possibilidades. Os ganhos, superiores às perdas, de
uma reestruturação só são alcançáveis se existisse, na Zona Euro, uma política
global de perdão, de uma parte da dívida, a um conjunto de países e não apenas
a Portugal. Um perdão isolado a Portugal significaria para o país a manutenção
da restrição financeira, apenas com uma dívida mais baixa.
O caso grego é um bom exemplo para os problemas
causados pelo tratamento diferenciado de um país do euro nas actuais
circunstâncias. É frequente citar-se o caso do perdão da dívida à Alemanha no
pós-guerra mas parecem óbvias as diferenças. Os alemães tinham acabado de ser
vencidos e durante décadas foram um país dividido e sem direitos plenos. Não
podiam, por exemplo, ter forças armadas.
Claro que o Governo pode apostar na inevitabilidade
de uma reestruturação da dívida, antecipando que os governos do euro irão ceder
se, e quando, a situação financeira for insustentável para um grande país – o
melhor candidato é a Itália, por causa da banca. Mas é uma aposta arriscada.
Mesmo que isso venha a acontecer – o que não é claro –, o problema português
pode explodir mais cedo e acabarmos por ser a nova Grécia. (Já não foi positivo
o artigo que saiu no Financial Times esta quarta-feira).
Só a partir destes consensos é que podemos
delinear medidas que ataquem ao mesmo tempo a dívida e a restrição financeira.
Na linha da frente tem de estar a lista do “não
fazer”. Primeiro, em nenhuma circunstância, se devem adoptar medidas que
agravem o problema do endividamento, seja por via de mais dívida, seja através
da criação de desconfiança dos credores ou potenciais financiadores. O Estado
é, aqui, o protagonista. São os sinais da política económica que mais podem
contribuir para aliviar a restrição financeira através da confiança que se
transmite a quem tem dinheiro para nos financiar.
As mensagens dos protagonistas políticos,
nomeadamente do primeiro-ministro e do ministro das Finanças, têm força para
abrir um pouco o financiamento externo ao Estado, às empresas e aos bancos. Os
discursos duros do anterior primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e do
ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar podem ser integrados nesta estratégia de
conquista da confiança. É impossível medir, mas se o fosse, poderíamos saber
quanto do financiamento externo não teria chegado a Portugal se o discurso de
Passos e Gaspar tivesse seguido a linha grega.
Na lista de “não fazer” há algumas linhas que já
não conseguimos apagar, como a anulação da concessão dos transportes públicos.
Mas ainda vamos a tempo, se o Governo e os partidos que o apoiam quiserem, de
“não dizer” reestruturação da dívida. Não dizer também muitas outras frases que
criam insegurança a quem investe, seja português ou estrangeiro.
Paralelamente deveriam ser adoptadas medidas que
incentivassem as famílias e as empresas a reduzirem a sua dívida. Há ganhos em
diversas frentes e no curto e longo prazo com iniciativas que tenham a redução
do endividamento como objectivo.
Para as famílias, uma medida possível poderia
passar por incentivar a amortização antecipada do crédito à habitação, num
modelo de benefício fiscal que minimizasse obviamente a perda de receita. E o
consumo?, perguntará quem considera que é por ali que se reanima a economia.
Aquilo que se perdia – se é que se perdia – por esta via, ganhava-se por
outras. Primeiro protegiam-se as famílias de um aumento das taxas de juro, que
um dia acontecerá, e que agravará os encargos com a casa. Em segundo lugar
aliviava-se a pressão sobre a rentabilidade de alguns bancos que têm uma
elevada carteira de crédito à habitação, com margens muito baixas, construídas
nos tempos em que a concorrência pela conquista deste mercado era elevada. Em
terceiro lugar aliviava-se a restrição financeira da economia como um todo.
Nas empresas há a proposta já antiga de considerar
também como custo fiscal o juro implícito no capital dos sócios. Há muito tempo
que se sabe que há um forte incentivo ao endividamento das empresas por motivos
de optimização fiscal – paga-se menos impostos com um empréstimo, porque os
juros são custos financeiros que deduzem aos lucros. Claro que as finanças
públicas não permitem que se vá muito longe nesta medida, mas podia começar-se.
Nem que fosse pela negativa: limitar os encargos com juros que são considerados
como custo, tendo por exemplo como referência um rácio de endividamento.
Dirão alguns que, tomara as empresas terem
dinheiro para sobreviverem quanto mais para se capitalizarem. A realidade que é
reportada por alguns bancos não é essa. Há empresários que têm as suas empresas
muito endividadas e ao mesmo tempo elevadas aplicações de tesouraria. O que,
nesta fase, não sendo racional do ponto de vista financeiro, é-o na perspectiva
do planeamento fiscal.
Na era da troika, um dia, numa conferência, um
responsável austríaco das contas públicas contava que o Orçamento, por lá,
estabelece no máximo cinco objectivos. Neste regresso de férias, quando ainda
estamos a meio gás, o Governo e as empresas poderiam aproveitar para fazerem
isso mesmo. Identificar no máximo cinco problemas que querem resolver com uma
hierarquia clara. Reduzir a dívida do país parece ser obviamente o “cardinal
1”.
Título e Texto: Helena Garrido, Observador,
9-9-2016
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