Péricles Capanema
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Dom Paulo Evaristo Arns
colocando o boné do MST
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“Não serão
objetos de deliberação — diz a atual Constituição brasileira, artigo
60, § 4º —, a forma federativa de Estado, o voto secreto, direto,
universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias
individuais”. Interdições estas que são chamadas cláusulas pétreas.
Existem cláusulas pétreas fora
da Constituição, nos mais variados âmbitos, social, familiar, profissional.
Proibições severas, sentidas por todos, têm o efeito de verdadeiros fatwas,
cuja violação acarreta graves sanções. Lembrei-me delas enquanto lia o volumoso
noticiário relativo ao falecimento do ex-cardeal arcebispo de São Paulo, de Dom
Paulo Evaristo Arns, em 14 de dezembro último, aos 95 anos. À maneira de
cláusulas pétreas, havia temas que não podiam ser levantados. Vou correr o
risco, estilhaçando uma delas…
Suas exéquias representaram
uma consagração raras vezes presenciada no Brasil. Esteve pouco aquém das
homenagens prestadas a Tancredo Neves em abril de 1985. Três dias de luto
oficial, cerimônias pomposas, elogios e ditirambos de todos os quadrantes. O
fumo do incenso proclamava em uníssono: dedicou a vida aos pobres e à defesa
dos direitos humanos. Apenas como exemplo, os preitos manifestados pelos três
últimos presidentes.
Michel Temer: “Dom
Paulo foi um defensor da liberdade e sempre teve como norte a construção de uma
sociedade justa e igualitária. O Brasil perde um defensor da liberdade e ganha
[...] um personagem que deixa lições para serem lembradas eternamente”.
Dilma Rousseff: “Grande
líder progressista, incansável na defesa dos direitos humanos e da liberdade
[...] símbolo da luta pela democracia. O Brasil perde um defensor dos pobres.
[...] Descanse em paz, amigo do povo”.
Lula [na foto no funeral de
Dom Arns]: “O mundo perde um vulto gigante na defesa universal dos
direitos humanos. [...] Franciscano que era, seguiu o exemplo de seu
mestre para seguir uma clara opção preferencial pelos oprimidos em sua Igreja
da Libertação. Semeou e cultivou Comunidades Eclesiais de Base, revolucionou a
formação dos seminários”.
Já não de presidente da
República, mas do governador Geraldo Alckmin: “Ao longo da vida, ele
escolheu a linha de frente para defender os mais fracos e os feridos pela
injustiça. Ajudou, assim, a mudar a história do Brasil”.
O tom geral foi esse. Sei que de
mortuis nil nisi bonum, dos mortos só se devem dizer coisas boas. Constituem
exceção os personagens históricos. Um deles foi Dom Paulo, a mais destacada
figura da esquerda católica do Brasil na segunda metade do século XX, corifeu
do progressismo litúrgico e do esquerdismo social e político.
Os jornais relataram ainda,
embora em tom menor, os choques então ocorridos entre o antigo cardeal-arcebispo
de São Paulo e João Paulo II. O Pontífice polonês conheceu bem os horrores do
comunismo e provavelmente acompanhou com fundadas reservas a atuação do
antístite paulistano. Foi também noticiado que Dom Paulo seguia orientação
oposta à dos dois últimos pontífices, João Paulo II e Bento XVI (1978-2013).
Dom Arns chocou-se pública e rumorosamente com o cardeal Ratzinger, quando
este, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, apoiado pelo Papa, aplicou
sanções ao então frei Leonardo Boff.
Um aspecto da atuação pública
de Dom Paulo Evaristo não foi ventilado (procurei nos jornais, não encontrei):
o de favorecedor de tiranias. Ocorre que nem sempre quem se ocupa com “direitos
humanos”, de fato favorece a liberdade. Pode até ajudar o totalitarismo e
infelizmente foi o caso dele.
A atuação pública de Dom Arns
beneficiou os que, por doutrina e em documentos programáticos, apunhalam as
liberdades amparadas pelo Direito natural. Bastaria mencionar a promoção das Comunidades
Eclesiais de Base — sementeira de boa parte dos quadros mais
extremados do PT e de outros partidos de esquerda. Ainda convém o apoio à
“Teologia da Libertação”, que buscou em Marx sua base para análise social (e
consequentemente sua pregação da luta de classes e da ditadura do
proletariado). O que faz hoje no Brasil o MST e a Pastoral da Terra? Não
ocultam suas metas coletivistas, encharcadas de tirania, nem escondem seu culto
a Fidel Castro, considerado como modelo — entretanto o mais sanguinário e cruel
tirano da América Latina. A tal respeito, é penosa a constatação, o MST e a
Pastoral da Terra seguem a trilha aberta pelo antigo cardeal-arcebispo.
O “Estado de S. Paulo” de 19
de janeiro de 1989 [recorte ao lado] publicou carta de Dom Paulo a Fidel
Castro, na qual o Purpurado afirma: “Queridíssimo Fidel, [...]
Aproveito a viagem de frei Betto para lhe enviar um abraço e saudar o povo
cubano por ocasião deste 30º aniversário da Revolução”. [NB: Não custa
lembrar, revolução comunista ateia, que instaurou a miséria pavorosa e ditadura
feroz em Cuba]. Nessa ocasião, Dom Paulo, para conseguir elogiar Castro, com
particular cuidado esbofeteia a verdade: “O povo de seu País conseguiu
resistir às agressões externas para erradicar a miséria. [...] Hoje em dia Cuba
pode sentir-se orgulhosa de ser [...] exemplo de justiça social. A fé cristã
descobre nas conquistas da Revolução um ensaio do Reino de Deus”. E
indica esperanças: “Confio que nossas Comunidades Eclesiais de Base
saberão preservar as sementes da nova vida. [...] Receba meu fraternal abraço
nos festejos do 30º aniversário da Revolução Cubana”.
Coerentemente, com seu poder e
prestígio, o cardeal-arcebispo beneficiou no Brasil correntes que, se não fosse
pela recusa popular, nos teriam precipitado em situação parecida com a tragédia
vivida pelos cubanos (menos, é claro, os da Nomenklatura). Ou dos
venezuelanos, com a exceção dos donos do poder.
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No centro de Havana, marcas da
evidente miséria em que vive escravizado o povo cubano
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É uma verdade translúcida: a
atuação de Dom Paulo favoreceu tiranias vigentes em sua época e estimulou a
consolidação de futuras ditaduras. Silêncio eloquente e hipócrita pesa a respeito
dessas realidades. E sobre essa constatação ninguém (ou quase ninguém) ousa
falar. À maneira de cláusula pétrea, todo o Brasil sofre a interdição de
exprimir o óbvio ululante. Vamos estilhaçar tal interdição. A verdade pavimenta
o caminho para liberdades autênticas, nas quais os pobres têm possibilidades de
desenvolver as suas potencialidades — grande estímulo para crescerem. Veritas
liberabit vos (Jo 8, 32). A mentira é atalho para o vicejar de
tiranias e misérias.
Título, Imagens e Texto: Péricles Capanema, ABIM, 13-1-2017
Título, Imagens e Texto: Péricles Capanema, ABIM, 13-1-2017
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