Rafael Marques de Morais
Prezada Isabel dos Santos,
Chegou a hora de retribuir o
teu gesto de carinho para comigo, manifestado há já algum tempo na tua conta do
Instagram, quando me tratavas por Rafaelzinho.
Portanto, Belinha, ironias e
cinismo à parte, escrevo-te para reflectir contigo sobre o momento de mudança
em curso em Angola e o involuntário e ingrato papel que te cabe: o de bode
expiatório da corrupção generalizada e da arrogância do poder.
Há dias, em conversa com dois
grandes servidores da pátria – leais ao MPLA –, fiz-lhes notar a forma
vingativa como querem que o teu pai abandone também a presidência do partido.
Há uma estranha e crescente onda conspiratória dentro do próprio MPLA para que
o camarada José Eduardo dos Santos deixe o cargo tão cedo quanto possível. Ali
mesmo, os dois homens pareciam ser os mais corajosos do mundo, como têm sido
todos os dirigentes do MPLA a quem o teu pai fez de gato e sapato e a quem
mandou ir lamentar-se para os muros da vergonha e da cobardia.
O mais velho dizia que tinha
sido uma humilhação, na recente reunião do Comité Central do MPLA, o presidente
da República ter-se perfilado, de pé, para saudar a entrada omnipresente do
presidente do partido.
Por mim, o teu pai devia
continuar presidente do MPLA durante muitos mais anos, para que os militantes
do MPLA, que nunca se tomam como cidadãos, sintam o quanto desesperou o povo.
Belinha,
A novidade agora é o João
Lourenço. É o que está a bater. Dentro do MPLA quer-se a consagração absoluta
de João Lourenço. Os agitadores querem a transferência dos poderes absolutos
que o teu pai tinha e que lhe permitiam fazer de nós, pobres angolanos, meros
instrumentos do seu poder. Todos esses poderes são agora desejados nas mãos de
João Lourenço.
Passei muitos anos, armado
apenas com o meu computador, com papéis e com canetas, a denunciar os excessos
e os abusos monárquicos do teu pai. Não quero passar mais anos a fio a combater
os poderes absolutos, sem freios nem contrapesos, que os do MPLA e o povo
incauto querem colocar nas mãos de João Lourenço. Quero realizar o sonho de ir
fazer a minha lavra em Malanje e reformar-me por lá, em paz e ligado à
Internet. Mas antes quero também realizar o meu sonho de ver este povo livre,
solidário no exercício da cidadania, exigente na afirmação da democracia, da transparência
e da boa governação. Quero ver este povo a ser bem educado e encaminhado para o
desenvolvimento humano. É uma questão de consciência. Por isso, peço a tua
atenção.
No meio desta divisão que se
agudiza dentro do MPLA, o centro das atenções és tu, princesa. Aperta-se o
cerco à tua volta. És o teste para aferir se João Lourenço tem poder real e
capacidade de decisão ou não, se tem coragem política ou não.
Quer dentro do MPLA quer nas
ruas, onde o povo é um mero espectador, aguarda-se o acto de João Lourenço para
te arrancar a coroa de princesa – a Sonangol – que o teu pai te ofereceu.
Para piorar a tua situação,
estás a exercer de forma ilegal, e por incompetência do teu pai, o cargo de
presidente do Conselho de Administração da Sonangol.
Como teu crítico e teu irmão
angolano, penso que te falta um acto de humildade e coragem enquanto angolana.
Pelo teu próprio punho, pede a tua demissão. Entrega a Sonangol com um
sentimento de alívio, e fala para este povo que hoje te vê como uma vilã, como
a princesa má. Fala sem máscaras, sem assessoria estrangeira, do fundo do teu
coração. Onde o reinado do teu pai acabou, o teu exercício de cidadania deve
começar.
Todo o dinheiro que
acumulaste, todo o poder que tiveste, todos os aduladores e amigos que juntaste
por este mundo maravilhoso poderão, em breve, tornar-se num pesadelo, um sopro
de tristeza, um mar de abandono. Olha para o teu pai hoje, no Miramar: é um
velho triste e desonrado. À sua volta, só se vê o corrupio dos abutres
esperançosos de mais alguma carne podre arrancada do ser angolano.
Se nada tiveres para dizer a
este povo e para devolver a esta Angola, do fundo do teu coração, então, irmã,
sai só, em paz. Entrega tu a coroa – a Sonangol.
Título, Imagem e Texto: Rafael Marques de Morais, Maka Angola,
11-11-2017
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