Assistimos a uma tentativa premeditada de
condicionar o debate público. E os jornalistas, que deviam escrutinar o
governo, são os seus primeiros guarda-costas nas redes sociais.
Sebastião Bugalho

Mas olhemos para outros
exemplos.
Neste tempo, a esquerda vem
exigindo repetidamente à direita que se demarque do Chega. É uma exigência
tonta, na medida em os líderes partidários de ambos os partidos da direita
democrática já se demarcaram dezenas de vezes de André Ventura. Apesar disso, a
cada proposta ou política apresentada pelo deputado do Chega lá aparecem os
mulás, exigindo ao PSD e ao CDS que rejeitem ideias que nunca defenderam ou
defenderiam. Com isto, o objetivo e a estratégia da esquerda são claros:
polarizar o debate entre Ventura e o governo, cobrindo o PS de superioridade
moral e colando toda a direita ao populismo de Ventura. É uma tática eficiente,
mas irresponsável. Em primeiro lugar, porque inviabiliza o debate em moderação,
pois visa confundir moderados com populistas. Em segundo lugar, porque oferece
a um partido que elegeu apenas um deputado a dimensão mediática de um governo
apoiado por 107 deputados. Em terceiro lugar, porque promove um maniqueísmo em
que todos os que criticam Costa são defensores de um partido xenófobo e racista
– o que é excelente para Costa, porque anula a validade cívica dos seus
oponentes, mas verdadeiramente falso, porque nem todos são André Ventura.
Pergunto-me de onde virá esta
indolência dissimulada da nossa esquerda. Terão medo de debater com alguém que
não partilhe os ideais do Chega? Por ser mais difícil? Por obrigar a uma
conversa mais elevada? Sentir-se-ão incapazes? Não entendem que se
transformaram, ironicamente, nos maiores divulgadores de Ventura? Não me
recordo, por exemplo, de ouvir um comentador pedir a António Costa que
repudiasse as posições antidemocráticas do PCP durante a ‘geringonça’. A
bússola moral dos vigilantes do regime perpetua esse compasso de conveniência.
Vamos a mais casos concretos,
na imprensa.
Rui Rio comparou recentemente
a comunicação social a indústrias fabris e uma editora de jornal declarou-o
prontamente inapto para as funções de primeiro-ministro. Já manifestei várias
vezes, aqui no Observador, a minha preocupação com as posições
iliberais de Rio sobre a imprensa, a justiça e o parlamento. Mas gostava de ter
visto os jornalistas indignados com a posição do líder do PSD sobre os apoios à
imprensa igualmente indignados quando ouviram António Costa descair-se, há
semanas, com a seguinte frase: “Os jornalistas vivem sempre da desgraça
alheia”.
Onde estiveram?
Outro dos episódios que marcou
o apogeu desta dualidade teve a ver com a polémica entre Nuno Melo e Rui
Tavares. Em qualquer outro país europeu, uma figura política que foi
cabeça-de-lista a uma eleição há menos de um ano e que se mantém próxima de um
partido seria notícia por surgir numa aula da telescola. A partir dessa
notícia, uns defenderiam, outros criticariam, outros julgariam indiferente. Se
fosse Jaime Nogueira Pinto, que não foi candidato a nada nem integra partido
nenhum, um ou outro deputado do BE também mandaria uma boca nas redes sociais e
não se falaria mais nisso. Como foi um eurodeputado de direita, uma
controvérsia no Twitter tornou-se um escândalo nacional.
No Expresso da
semana passada, quatro colunistas do jornal defenderam Rui Tavares e uma
notícia dava a história como motivo de preocupação, imagine-se, da direção do
PSD. Luís Aguiar-Conraria considerou que o CDS “perseguiu” o fundador do Livre
e que pretendia “censurá-lo”, tornando Rui Tavares o primeiro censurado na
história de Portugal a aparecer semanalmente na RTP e na última página de um
diário nacional. Conraria comparou também a situação de Tavares aos ataques de que
Pedro Passos Coelho foi alvo aquando da sua ida como professor-convidado para a
universidade, talvez esquecendo que a telescola não é lecionada a
universitários (mas a crianças) e que Passos Coelho saiu da praça pública e do
combate político há quase três anos (coisa que não se pode dizer de Tavares).
Honestamente, o vídeo em
questão do historiador não me chocou. Não compreendo é metade dos argumentos
utilizados para o defender e muito menos a dimensão dada ao caso
(inclusivamente, pela bancada do CDS). Sobre o secretário de Estado que
aproveitou uma pandemia para dar negócio a um amigo, por outro lado, ninguém
disse nada – nem uns, nem outros. A tabela do campeonato dos holofotes pode
então registar:
Twitter: 4 – Malandragem
com dinheiros públicos: 0.
Quanto à brigada das redes
sociais e à sua vocação de polícia política, não me esqueço da facilidade com
que este ano um deputado do PS chamou prostituta (“Qual é a sua esquina?”) a
uma internauta, criou um perfil alternativo para dizer que a conta com que
insultara a cidadã era falsa (apesar de já ter sido citado na imprensa através
desta) e passou alegremente entre as gotas da chuva, não sendo notícia, tema de
colunas de opinião ou razão de escandaleira. Os moralistas do regime, nesse
dia, fizeram-se de parvos ou ficaram sem wi-fi em casa. A sua
moral, pelos vistos, tem cartão partidário. E é nisso que discordo de Nuno
Melo: isto não é marxismo cultural; são só uns sonsos.
Título e Texto: Sebastião
Bugalho, Observador,
15-5-2020, 0h08
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