Numa operação comandada pelo Xerife Xerxes Xande, a antiga Polícia Federal fechou o cerco a empresários golpistas que foram vistos num vestiário da academia falando mal do governo
Rodrigo Constantino
O imperador Saltitante acordou de mau humor, e, com sua voz fina e metálica, berrou: “Gleice, venha já aqui!”. Sua secretária saiu correndo do aposento ao lado e perguntou o que seu mestre desejava. “Traga-me já um copo de água com açúcar, mulher imprestável! Preciso me acalmar após ler essa notícia absurda!” Saltitante se referia a uma manchete da Revista Leste, a única sobrevivente no país após a revolução democrática de 2022. Ela dizia: “Último foco da militância fascista consegue escapar da polícia”.
Numa operação comandada pelo
Xerife Xerxes Xande, também conhecido como XXX, a antiga Polícia Federal fechou
o cerco a empresários golpistas que foram vistos num vestiário da academia
falando mal do governo. Pela nova Lei de Liberdade de Expressão, criada por
decreto pela Junta Democrática do Foro de SP, estava terminantemente proibido
criticar o governo, em especial o Imperador Saltitante e o Xerife Xerxes.
A mudança que permitiu isso
veio por emenda constitucional e havia retirado uma única letra no texto de
1988: Todo o poder emana do Ovo, e não mais do Povo. Ovo era o apelido
carinhoso de Xerxes, devido à sua cabeça careca e reluzente. Era ele quem dava
as ordens na prática, enquanto o Imperador Saltitante se portava como uma
espécie de Rainha da Inglaterra — e ele adorava a parte das vestimentas
inspiradas em Elizabeth.
Desde quando aquele fascista cujo nome não mais pode ser mencionado venceu as eleições em 2022, apesar de todo o esforço democrático da oposição, houve uma união apoiada pelo Exército Chinês para restabelecer a democracia no país. Xerxes demitiu os demais dez ministros e passou a representar, sozinho, a Corte Constitucional. O então senador Saltitante foi proclamado imperador do Brazinil, e todos os apoiadores do fascista eleito foram perseguidos, muitos deles presos ou expulsos do país.
O respeitado jurista Miguel
Retalho Junior, após a prisão de seu colega Ives Grande Martinho, foi às
emissoras de televisão atestar a legalidade do ato, já que para derrotar a
ameaça fascista tudo era aceitável e desejável. Brazinil mudou até de nome e
passou a ser chamar Alexandria, em homenagem ao Xerife que tanto fez para
impedir o golpe. Agora havia pouquíssimos focos de resistência, já que a
Polícia Unificada de Todos os Amigos (PUTA) tinha lançado uma implacável busca
pelos golpistas, com auxílio de soldados democratas enviados por Cuba e
Venezuela.
Naquela manhã quente de
janeiro de 2026, Saltitante se deparou com a notícia da Revista Leste sobre
a fuga dos empresários fascistas. Isso despertou sua revolta: “Duvido que algo
assim acontecesse na democrática Coreia do Norte, ou com nossos companheiros da
Nicarágua! Lá todos os fascistas cristãos foram devidamente presos!”,
esbravejava.
Tensa com a situação, e com
medo das broncas, Gleice decidiu ligar para o verdadeiro chefe da coisa toda:
“Luísque, acho melhor você abandonar Atibaia rapidinho só para vir aqui colocar
um pouco de ordem na bagunça”. Já bêbado após a quinta taça de Petrus, Luísque
rebateu: “Não enche o saco, Gleice. Eu fiz meu papel em 2022 e desde então
quero só aproveitar minha vida de longe, com meus milhões e minha mulher,
Granja. Vocês que são democratas que se entendam!”.
Esse
que vos escreve só teve condições de relatar essa história toda pois morava
fora de Brazinil na época da revolução democrática
Claramente decepcionada,
Gleice convocou então Miguel Tremer, o único capaz de acalmar Xerxes, o que por
sua vez acalmava Saltitante, que no fundo estava apavorado com o provável
esporro do chefe. Tremer ligou para Xerxes, falou amenidades antes, lembrou
quem o indicou ao Supremo, e com jeitinho deu o recado: “Meu ilustre Ovo, vossa
excelência não acha que já fizemos o suficiente para impedir golpes fascistas?
Talvez possamos deixar passar um ou outro empresário conspirador, pois são
inofensivos hoje…”.
Xerxes ficou vermelho de
raiva, e, com o olhar vidrado, rebateu: “Cala a boca, seu Mordomo inútil!
Alexandria não terá um só crítico do governo, e não vou descansar até punir
pessoalmente um a um desses miseráveis! Você nunca teve a garra de um Luísque,
por isso conspirou contra ele! Não podemos permitir um só fio desencapado, pois
de 1 centímetro pode surgir um curto-circuito e produzir um grande incêndio.
Para ser uma democracia de verdade, como nossos companheiros conseguiram fazer
na Venezuela e na Nicarágua, é fundamental ser intransigente com qualquer
deslize ou malfeito. Não me liga mais, seu pusilânime de uma figa!”.
Tremer, com o perdão do
trocadilho, passou a tremer de medo, e se lembrou de velhas máximas: quem
planta vento colhe tempestade; quem alimenta corvos tem seus olhos arrancados;
quem dá comida para o Gizmo depois da meia-noite precisa enfrentar os Gremlins
— ok, isso não é bem uma máxima, mas uma lição com base num filme que entrega a
idade do autor.
E assim a vida seguiu em
Alexandria. Esse que vos escreve só teve condições de relatar essa história
toda pois morava fora de Brazinil na época da revolução democrática. Havia
inclusive um prêmio por minha cabeça, mas fui prudente e nem arrisquei uma
visita sequer. Criado em ambiente fascista, e vivendo em local ainda mais
fascista como Miami, confesso com toda a humildade do mundo que nunca fui
talhado para viver em uma democracia tão alexandrina assim!
Título e Texto: Rodrigo
Constantino, Revista Oeste, nº 128, 2-9-2022
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