Ao declarar Bolsonaro inelegível, o TSE confirma que o consórcio STF-Executivo quer governar o país sem oposição
Crystian Costa
Brasília, 9 de junho de 2017,
19 horas e 15 minutos. Por 4 votos a 3, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
absolve a chapa Dilma-Temer, acusada pelo PSDB de abuso de poder político e
econômico na eleição presidencial de 2014. Na ação protocolada no TSE para
tentar reverter o resultado da eleição, a sigla mencionou o propinoduto
descoberto pela Lava Jato que abasteceu os cofres do PT e do PMDB com dinheiro
de empreiteiras sedentas por contratos com a Petrobras. No fim de 2015, o TSE
aceitou analisar o caso. Com a Lava Jato em seu auge, delações premiadas sendo
firmadas e revelações de corrupção envolvendo o PT vindo à tona praticamente
toda semana, o desfecho do julgamento foi recebido com perplexidade por
incontáveis brasileiros — e ironizada por boa parte da imprensa. A chapa teria
sido absolvida “por excesso de provas”.
Brasília, 30 de junho de 2023,
14 horas e 23 minutos. Por 5 a 2, o TSE torna inelegível por oito anos o
ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado por críticas ao sistema eleitoral.
Durante uma reunião com embaixadores ocorrida no ano passado, o então chefe do
Executivo levantou dúvidas sobre a transparência das urnas eletrônicas.
Bolsonaro mencionou uma investigação sigilosa aberta pela Polícia Federal (PF)
sobre uma invasão desses equipamentos por hackers ocorrida em
2018. Naquele ano, o código-fonte esteve nas mãos de um criminoso, o que poria
em xeque o resultado do pleito. Em dezembro de 2022, o PDT entrou com uma ação
contra Bolsonaro prontamente acolhida pelo TSE. Diferentemente do que ocorreu
com Dilma e Temer, em apenas seis meses a Corte concluiu o caso. É mais uma
evidência da contaminação da Justiça Eleitoral por interesses políticos.
“Ao
mover a ação contra Bolsonaro, o PDT viu a oportunidade de eliminar um
fortíssimo adversário”
Na sessão presidida por Alexandre de Moraes, a Corte invalidou os votos dos mais de 58,2 milhões de brasileiros que optaram por Bolsonaro. Previsivelmente, o réu foi condenado pelos estreantes Floriano Marques e André Tavares, amigos de Moraes desde que os três estudantes se conheceram na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, onde agora lecionam. Na folha corrida da dupla figuram um pedido de impeachment de Bolsonaro e pareceres favoráveis a Dilma. A escolha de Marques e Tavares consumou-se no fim do mês passado, num almoço no Palácio do Planalto entre Moraes e Lula. O presidente do TSE recomendou os nomes, aprovados em tempo recorde pelo governo. Ambos garantiram a vitória de Moraes no julgamento, que começou com o voto do relator, Benedito Gonçalves.
“As
acusações do partido ferem a liberdade de expressão”
Eleito para o Superior Tribunal de Justiça por indicação de Lula e citado em delações da Lava Jato, Gonçalves afirmou que Bolsonaro “violou ostensivamente” os deveres do cargo ao se reunir com embaixadores para criticar o sistema eleitoral. Ele anexou novos fatos à ação do PDT, que já estava em andamento. Dessa forma, ignorou a jurisprudência firmada pelo julgamento de Dilma e Temer, há cinco anos. Na ocasião, o TSE decidiu, por maioria, desconsiderar provas apresentadas depois de protocolada a ação. Eram evidências de uso de caixa dois. À época, a maioria entendeu que essa espécie de ação trata de fatos específicos. Não pode, portanto, admitir outras alegações sem vínculos com a que originou a ação.
Marques, Tavares, Moraes e
Cármen Lúcia seguiram integralmente o voto de Gonçalves, limitando-se a
acrescentar observações vagas e subjetivas. Marques, por exemplo, falou em
“terraplanismo”; e Tavares, em “fake news”. Cármen repetiu que Bolsonaro
“atacou ministros do TSE e do STF” e “não respeita as instituições”. Moraes
acusou o ex-presidente de comandar uma suposta “máquina de desinformação” e,
várias vezes, classificou falas de seu desafeto como “mentira”. Apenas Raul
Araújo e Nunes Marques discordaram da maioria, cujos integrantes interromperam
a leitura dos votos divergentes com apartes grosseiros.
Os dissidentes
Primeiro a votar nesta quinta-feira, o ministro Araújo [foto] abriu divergência e desmontou o argumento de Gonçalves segundo o qual a chamada “minuta do golpe”, encontrada pela Polícia Federal na casa de Anderson Torres, ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e ministro da Justiça de Bolsonaro, tinha validade jurídica para o caso. “Inexiste qualquer elemento informativo capaz de sustentar, para além de ilações, a existência de relação entre a reunião e a minuta de decreto, a qual apócrifa e sem origem nem data determinadas, persiste de autoria desconhecida, a impedir qualquer juízo seguro de vinculação daquele achado com o pleito presidencial de 2022 e com os investigados”, argumentou o ministro do TSE.
Foto: Ton Molina/Estadão Conteúdo |
Araújo também ensinou aos
colegas que a Justiça Eleitoral tem de fazer intervenções mínimas. “Embora a elogiável
conduta altiva da Justiça Eleitoral tenha ocorrido em resposta a conteúdos
similares àquele ora apreciado — advindos do investigado ou de outros agentes
públicos —, distinta deve ser a postura no exercício da função jurisdicional
eleitoral, reservada à correção judicial de condutas tidas por indevidas, à
homologação de registros de candidatura, à fiscalização de atos de campanha e,
com especial relevo no caso dos autos, à imputação de atos de abuso de poder ou
de fraude”, observou o ministro do TSE, ao ressaltar a liberdade de expressão
como direito inviolável.
Ao analisar a ação do PDT, o
jurista Dircêo Torrecillas Ramos, membro da Academia Paulista de Letras
Jurídicas, afirma que o processo não tem substância. “As acusações do partido
ferem a liberdade de expressão”, constatou. “Como presidente da República, Jair
Bolsonaro tinha ainda o direito de se reunir com representantes de outros
países para falar o que quisesse. No que diz respeito ao encontro com embaixadores,
ele convidou o então presidente do TSE, ministro Luiz Edson Fachin, que não
quis comparecer. Nada havia a esconder. A afirmação segundo a qual Bolsonaro
cometeu abuso de poder não se sustenta.” “Ao mover a ação contra Bolsonaro, o
PDT viu a oportunidade de eliminar um fortíssimo adversário”, acrescentou o
jurista Adilson Dallari. “Não há substância jurídica nenhuma no processo da
sigla.”
Vera Chemim, advogada
constitucionalista e mestre em Direito público administrativo pela FGV, vê
“contaminação política do Poder Judiciário”. “Não havia judicialização da
política e sua inevitável contaminação, principalmente nos tribunais
superiores, em razão das atuais pressões, acirramentos e conflitos
institucionais partidários que vêm ocorrendo desde a posse do presidente
Bolsonaro.” Por isso, o julgamento contra Bolsonaro no TSE foi diferente do que
absolveu a chapa Dilma-Temer.
A perseguição
A inelegibilidade é o que
faltava para exterminar qualquer possibilidade de Bolsonaro, hoje o principal
líder da oposição graças aos votos de 58 milhões de brasileiros em 2022, voltar
algum dia ao Palácio do Planalto. Trata-se de mais uma ilegalidade, entre tantas,
cometida pelo Judiciário desde os primeiros anos de Bolsonaro no poder. O
ativismo judicial ficou mais intenso quando Moraes impediu a nomeação do
delegado Alexandre Ramagem a diretor-geral da PF, em 2020, também a pedido do
PDT. A legenda disse se tratar de um “desvio de finalidade”, pela suposta
proximidade de Ramagem com a família do presidente, e pela denúncia do
ex-ministro Sergio Moro, segundo a qual houve “interferência na corporação”.
Bolsonaro cumpriu a determinação judicial. Essa decisão se somou às mais de 120
interferências do STF, todas obedecidas por Bolsonaro, que disse jogar “dentro
das quatro linhas da Constituição”.
Em quatro anos de governo, o
então presidente não se recusou a cumprir nenhuma das ordens que recebeu do
Poder Judiciário, não desobedeceu ao Parlamento ou censurou críticas dirigidas
a ele. A reunião de Bolsonaro com os embaixadores foi apenas um pretexto para
tirar de cena um campeão de votos. O consórcio no poder quer governar o Brasil
sem contestações. Para concretizar o sonho, nada melhor que afastar das urnas o
mais popular dos oposicionistas.
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